Introdução: A escolha da temática do estudo é fruto do processo de implicação da pesquisadora em decorrência de uma experiência grupal com mulheres no estágio profissional de Psicologia realizado no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e da experiência de trabalho como orientadora social na mesma instituição. Estas experiências apontaram para a carência de intervenções de cuidado direcionados à saúde mental das mulheres usuárias do serviço. A escuta das narrativas indicou a presença de atravessamentos relacionados ao cuidado feminino e ao adoecimento psíquico desse público no referido CRAS. Assim, podemos refletir como os silenciamentos das opressões atrelada à biopolítica da maternidade, que vincula a mulher à naturalização do papel de cuidado e de abdicação de si pelos outros, contribuem para a experiência de sofrimento psíquico entre mulheres (Detoni et al, 2018; Zanello et al, 2015). Não obstante, o principal público frequentador do CRAS são as mulheres e estas são consideradas agentes auxiliares do Estado na execução das políticas socioassistenciais (Pereira, 2014). Dessa forma, a dinâmica Estado-família-gênero-cuidado configura-se como um relevante debate crítico frente as reverberações que emergem dos processos de subjetivação na relação entre a proteção social básica e as mulheres. Desse modo, propomos como ferramenta investigativa a criação de um grupo em formato de oficinas grupais com mulheres usuárias do serviço que aceitarem participar da pesquisa. Essas oficinas serão criadas para a pesquisa e inseridas no serviço sob a justificativa de dialogar com as prerrogativas do Proteção e Atenção Integral à Família (PAIF). Este prevê como uma de suas ações a criação de oficinas que visam provocar reflexões sobre temas de interesse concernente às demandas percebidas no território, que de forma previamente organizada e em tempo determinado, buscam proporcionar a identificação de vulnerabilidades e potencialidades através da participação social e protagonismo dos usuários (Brasil, 2012). Tendo isso em vista, acreditamos que através da experiência grupal será possível compreender a dinâmica, os enunciados e os dispositivos (Barros, 1997; Hur, 2022) que, de forma micro e macropolítica, estão envolvidos nos processos de subjetivação das mulheres do território, tanto pela via dos fluxos reativos que acabam por capturar o desejo e promover enrijecimento subjetivo, silenciamentos e sofrimento psíquico, como pela via de fluxos ativos que impulsionam produções criativas e singulares de existir e se relacionar (Hur, 2022).
Fundamentação Teórica: A economia do cuidado é um conceito que tem tomado relevância nos debates de gênero e direitos sexuais, esse discute sobre a responsabilização exclusiva da mulher nos variados âmbitos da organização social e que tem como consequência o cerceamento da mulher no exercício de sua autonomia e cidadania. Esse debate apresenta-se como um desafio para sociedade brasileira, pois estamos diante de um cenário crítico de mudanças demográficas da população, o que evidencia a discussão sobre o trabalho doméstico não remunerado, o envelhecimento populacional, assim como a diminuição da atuação e consequente desresponsabilização do Estado pelas políticas de cuidado (Ipea, 2016). Considerando isso, buscaremos problematizar como as políticas sociais amparam-se nas tecnologias de gênero (Lugones, 2020; Oyěwùmí, 2020) e no trabalho doméstico (Federici, 2019; Segato, 2012) para fazer com que o cuidado feminino, imposto pela divisão social do trabalho e invenção da família nuclear, funcione como uma extensão do trabalho doméstico e interfira nos comportamentos relacionados, por exemplo, à saúde e à busca por garantia dos direitos socioassistenciais. Objetivos. Geral. Cartografar, pelas lentes do feminismo decolonial, os processos de subjetivação provenientes da relação entre o cuidado feminino e a colonialidade de gênero no âmbito das políticas de assistência social. Específicos. Mapear os regimes de enunciação através dos discursos, interações grupais, micropolíticas e relações de poder para a compreensão das dinâmicas psicossociais que atravessam as vidas das mulheres participantes da pesquisa, usuárias de um CRAS; Promover um espaço alternativo de escuta e elaboração de sentido dessas mulheres acerca das ações desenvolvidas na instituição ao propor temáticas a serem desenvolvidas nos encontros grupais a partir dos debates de gênero, sob a perspectiva do feminismo decolonial e das vivências relacionadas ao território e à própria instituição; Investigar como se atualiza o lugar da família e das mulheres no cotidiano da política social de Assistência Social tendo como lente o feminismo decolonial; Realizar um diagnóstico situacional e mapeamento das estratégias de produção de cuidado desenvolvidas pela equipe, entre as próprias mulheres e no território. Método. Trata-se de uma pesquisa de campo qualitativa e descritiva, que tem como foco de análise os modos de produção de subjetivação que emergem como analisadores nas atividades em grupo no contexto de trocas coletivas entre mulheres em uma instituição socioassistencial de base territorial. Adotaremos como referencial teórico-metodológico a cartografia, amparada no paradigma ético-estético-político, que em vias de discutir os efeitos da colonialidade, nos valeremos dos pressupostos do feminismo decolonial (Curiel, 2020) e tomaremos o território como ferramenta de análise e objeto de pesquisa. Isto permite o reconhecimento dos processos de singularização através da produção de um conhecimento situado em uma localidade e através da análise da tessitura das marcas dos processos de subjetivação que se apresentam no plano da experiência através de uma ciência dos indícios (Bernardes, 2018). Os dados serão coletados através da experiência grupal em formato de oficinas, que serão compostas por mulheres usuárias do serviço que aceitarem participar voluntariamente da pesquisa e será mediada pela pesquisadora. Nos encontros discutiremos temáticas que provoquem reflexão acerca das vivências do exercício do cuidado, trabalho doméstico, sexualidade, relações afetivas e com o uso das mídias digitais. As temáticas serão discutidas de forma transversal ao longo de 6 encontros, durante 3 meses, a cada 15 dias, com duração de 1 hora e meia. O registro dos dados será por meio de diários de campo produzidos pela pesquisadora após os encontros. À vista disso, utilizaremos ferramentas e dispositivos investigativos com a utilização de recursos de metodologias participativas como a tenda do conto, rodas de conversa e ecomapa, dentre outros. O ecomapa será utilizado com objetivo de construir um diagnóstico situacional, ferramenta que visa identificar as condições de um território para colaborar com a organização e processos de trabalho de uma equipe (Oliveira et al, 2022). Por fim, também propomos realizar atividades lúdicas para além do ambiente circunscrito nas imediações da instituição, como passeios em grupo e um grupo virtual para azeitar interações e compartilhamento de conteúdo, com posterior discussão presencial coletiva, que poderá ser mobilizada via confecção de cartas, fotografias e poemas. Resultados esperados: Objetiva-se apontar novos e múltiplos caminhos na formulação e efetivação das políticas públicas de gênero que consideram as singularidades do território, na operacionalização do trabalho das equipes, com vistas a guiar o planejamento das ações direcionadas às mulheres, às famílias e à comunidade, desvinculando a responsabilização unívoca pelo cuidado às mulheres.