Introdução: o presente trabalho tem como propósito escrever sobre e junto com as mulheres negras quilombolas da comunidade das Queimadas, localizada na zona rural da cidade de Crateús, no Ceará, sobre como o processo de luta pela terra constituem a produção de suas subjetividades. A escolha do tema possui um devir mulher negra, uma implicação afetiva e efetiva com as pessoas e a história do lugar com a qual sou atravessada, em um processo de resgate da ancestralidade junto ao território. Para além das implicações pessoais, compreendemos também a necessidade da reinvenção de uma Psicologia plural capaz de se implicar com as análises das particularidades e singularidades que marcam os contextos brasileiros, em especial os povos tradicionais (Dantas & et.al., 2018). Há uma urgência no fortalecimento do debate sobre esses povos de modo a ampliar o campo das preocupações e compromissos da Psicologia brasileira. Ressaltamos então a necessidade de um olhar especial as realidades invisibilizadas dos povos quilombolas e indígenas para a nossa profissão (Conselho Federal de Psicologia, 2019). Para isso é importante observar os elementos que os atravessam, sendo alguns deles, os conhecimentos sobre as relações éticos-raciais, gênero e ruralidades. Desse modo a pergunta de partida do trabalho se apresenta da seguinte forma: como os processos de luta pela terra constituem a produção de subjetivação em mulheres negras quilombolas na comunidade das Queimadas na zona rural de Crateús-CE? Fundamentação Teórica: as comunidades quilombolas são espaços que priorizam a construção do território enquanto coletivo, compartilhando o acesso a garantia direitos, em especial ao direito a terra (Dealdedina, 2020). Portanto, refletem um projeto alternativo ao capitalismo, de reforma agrária e o socialismo. Originalmente os quilombos surgiram como forma de resistências à escravidão no período Brasil colônia de Portugal. A mercantilização de negras e negros escravizados de países africanos foi por anos a principal produção capitalista dos europeus colonizadores. A mão de obra escrava e o extrativismo das terras colonizadas fortaleceram e enriqueceram o império, em contrapartida, isso resultou no maior genocídio de pessoas negras e indígenas da história humana (Stedile, 2005). Os resquícios da colonização e a escravidão são sentidas até hoje, em especial na pele de pessoas negras, fomentada pelo racismo estrutural que afeta a condição de vida desses, ao diminuir o acesso a saúde, a educação, a moradia e a dignidade. Nos utilizaremos das percepções de autoras e autores de variadas áreas do conhecimento, além da psicologia, como a exemplo da geografia, história, filosofia, sociologia e outras para embasar as discussões sobre a temática. Vale ressaltar que para entender o conceito de território é necessário percebê-lo como re-existência, pois ele parte do vivido, das práticas e do uso, ou seja, ele possui um valor simbólico para aqueles que lá existem. A defesa pelo território é a defesa pela própria vida, uma vez que o modelo capitalista extrativista moderno-colonial de devastação e genocídio impera até a atualidade de modo a pôr em risco a existência de grupos subalternizados, a exemplo os povos originários e quilombolas (Haesbaert, 2021). Se faz necessário também ratificar a importância da concepção de corpo-território e os impactos na produção dos sujeitos, uma vez que entendemos o corpo como o próprio e primeiro território que habitamos, e que essa corporeidade perpassa por relações intimamente imbricadas com as questões de classe, raça e gênero (Haesbaert, 2021). Dessa forma ao falarmos sobre corpo-território buscamos investigar não apenas os sujeitos na luta pela terra, mas também como os corpos estão unidos aos territórios que habitam, ou seja, os territórios a partir das disputas de poder. Tal afirmativa corrobora para evidenciar como mulheres negras e quilombolas se organizam e resistem na luta pela terra e em outras relações de poder em seus territórios. Objetivos: o objetivo geral da pesquisa é cartografar os processos de subjetivação de mulheres negras na luta pela terra na comunidade quilombola das Queimadas em Crateús-CE e os objetivos específicos são: 1. acompanhar a participação das mulheres negras na luta pela terra no quilombo das Queimadas; 2. identificar as subjetivações das mulheres quilombolas diante das contradições na luta pelo território nas Queimadas; e um terceiro objetivo especifico está em construção. Método: o presente trabalho se propõe a uma produção cientifica decolonial, pois ele busca descolonizar o saber hegemônico sobre determinado povo, território, raça e gênero. Descolonizar é um modo de resistir, para manter a existência, contra toda a forma de dominação, expropriação e/ou opressão (Haesbaert, 2021). Para prosseguimos com esse propósito optamos pelo método de pesquisa Cartográfica que se trata de um método de pesquisa-intervenção que não se baseia de modo prescritivo, por regras já prontas nem com objetivos previamente estabelecidos. Porém, apresenta direcionamentos distintos que revestem o sentido tradicional de método sem perder a orientação do percurso da pesquisa (Passos & Barros 2009). As bases deste método se fazem por pistas que orientam o percurso da pesquisa sempre considerando os efeitos do processo do pesquisar sobre o objetivo da pesquisa, o pesquisador e seus resultados (Passos & Barros 2009). Neste sentido, a cartografia vai mapear as linhas constitutivas das coisas e dos acontecimentos ao explorar territórios existenciais e assim, acompanhar processos de produção de subjetividade de forma a criar um mapa móvel das “paisagens psicossociais”. Nesta modalidade de pesquisa, considera-se que sujeito e objeto estão juntos na mesma experiência, o conhecimento é tido como criação e a pesquisa é compreendida sempre como intervenção (Rolnik, 2011). As participantes da pesquisa serão mulheres quilombolas da comunidade das Queimadas que optarem por participar voluntariamente. O modo de produção das informações será através da observação participativa, por meio de conversas informais, aproximação e vinculação com as pessoas e o lugar, a inserção em atividades propostas pela própria comunidade quilombola, em especial junto a associação comunitária e lideranças. É previsto a realização de entrevistas semiestruturadas de forma individual e coletivas com mulheres quilombolas. Para que a pesquisa prossiga nos moldes que se deseja fazê-la é necessário que seja submetida a avaliação em um Comitê de Ética, por se tratar de uma pesquisa que envolve a participação direta de pessoas. As vivências e afetações da pesquisadora serão também registradas e descritas em diários de campo. Resultados e encaminhamentos para os resultados: a formação da comunidade das Queimadas se inicia a partir de duas famílias, destacando-se como uma figura emblemática, o fundado da associação comunitária, que faleceu há cerca de treze anos por problemas de saúde. Ainda em vida, ele foi quem determinou a continuidade da missão de direcionar as resistências e a luta pelo reconhecimento e garantias dos direitos da comunidade às suas filhas. Atualmente, a presidenta, filha mais velha e suas duas irmãs são as responsáveis por organizarem e liderarem a associação. Nem todos que residem neste distrito se consideram remanescente quilombolas, e as brigas pela posse das terras são fatores geradores de cisões e conflitos entre quilombolas, não quilombolas e fazendeiros. Até o presente momento um pouco mais de 95 famílias são cadastras na associação e se autodenominam quilombolas. A presença dos não quilombolas justifica-se por ainda não haver a titulação da terra, apenas a certificação. A comunidade passa por fortes processo de apagamentos e busca se fortalecer com a esperança da obtenção da titulação como terras quilombolas e com parcerias de outros movimentos sociais locais como o Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST) e outras organizações não governamentais. Frente ao apresentado ratificamos a necessidade de continuarmos a pesquisa em psicologia fortalecendo seu caráter ético-político e estético implicado com a emergência na produção cientifica junto as realidades brasileiras e em especial as ruralistas e os povos tradicionais.