Introdução: Com base na concepção de educação como agente de transformação social, atrelada a um projeto societário voltado para emancipação humana, mesmo reconhecendo as contradições e os desafios impostos ao setor pelo modo de produção e sociabilidade capitalista, busco nesta pesquisa abordar os efeitos do processo de expansão do ensino superior no Brasil, tendo como foco as políticas afirmativas e políticas de assistência estudantil, no acesso às populações rurais às universidades. Voltando o olhar para a particularidade da experiência quanto ao acesso e os desafios quanto a permanência de mulheres de origem rural no ensino superior, bem como explorar os impactos que a vida universitária suscita na formação pessoal e profissional dessas mulheres. Nessa perspectiva, convém pontuar, conforme Sobrinho (2013) que a educação é percebida como bem público e como direito social, sendo legítimo falar do papel das Instituições de Ensino Superior (IES) como organizações que têm grande participação na formação de estudantes, não apenas no âmbito científico e técnico-profissional, mas também no aspecto ético-moral e político-ideológico, enquanto indispensável vetor de produção da sociabilidade humana. Outra percepção, Salata (2018) aponta a educação como aspecto fundamental para a compreensão das contradições da sociedade capitalista e das próprias desigualdades que daí decorrem no contexto contemporâneo, até mesmo na reprodução social. Apesar das contradições históricas do setor e do seu caráter elitista, que se arrastam ainda hoje, o ciclo dos Governos do Partido dos Trabalhadores, à frente da Presidência da República por 13 anos resultou, dentre outros ganhos sociais, na expansão do ensino superior. Como exemplo, houve o fortalecimento do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), intensificado no Governo Luís Inácio Lula da Silva. Mesmo tendo impulsionado o setor privado em termos de número de matrículas, esta foi uma importante forma de acesso às classes populares no ensino superior, ainda que do setor privado. Nesse sentido, teve ainda o Programa Universidade para Todos (PROUNI), que consiste na concessão 116 de bolsas de estudos – parciais ou integrais – possuindo como critério de seleção a renda familiar e a disposição ou não do diploma anterior, o qual facilitou o ingresso ao ensino superior, independente da finalidade lucrativa (Brasil, 2005). Já o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído dois anos após o PROUNI, teve como foco a ampliação do acesso e permanência nos cursos de graduação no setor público federal, valorizando os recursos físicos e humanos previamente existentes nas universidades (Brasil, 2007). Além dos vetores de ampliação do acesso (Fies, Prouni e Reuni), contou-se também com a ampliação e o fortalecimento da permanência estudantil, com a instituição do Programa Nacional de Assistência Estudantil, em 2010, nas IES públicas. O Programa consiste em importante conquista social que amplia a concepção de assistência estudantil no país, proposta ainda nos primórdios da universidade brasileira de forma bastante acanhada e restrita, para agora dar maior sustentação a permanência de estudantes no ensino superior pertencentes a estratos sociais que anteriormente não seriam assistidos e possivelmente não concluiriam seus estudos (Brasil, 2010). Todas essas ações foram importantes para reduzir algumas contradições históricas, especialmente quanto a pouca presença de estudantes oriundos das classes populares no ensino superior. Porém trouxe novas contradições indicando a necessidade de reestruturação acadêmica, a fim de melhor receber e apoiar tais estudantes em seus percursos formativos, experiências profissionais, na produção do conhecimento e inovação (Figueiredo, 2018). Nesse sentido, pelos interesses que orientam o presente estudo, destaco a origem geográfica ou de lugar, no tocante a ser estudante oriundo(a) de área rural, como um importante marcador social gerador de desigualdade e obstáculo quanto ao acesso e permanência no mundo da escola (da educação básica ao nível superior de ensino) (Salata, 2018). Neste aspecto, tanto a escassez de vagas reservadas ao público rural, quanto a exiguidade de cursos disponibilizados para os(as) filhos(as) de trabalhadores(as) rurais e/ou de assentados(as) da reforma agrária, e/ou pronafianos(as), é uma dura e desigual realidade que atinge as famílias que vivem em contextos rurais. Mesmo os cursos de nível superior voltados para modalidade “da terra”, assim como licenciaturas, apesar de importantes estratégias de acesso, mas estruturalmente, o quadro de desigualdades que paira sob a população rural brasileira pouco se alterou diante da realidade posta. Soma-se a essa questão a reduzida divulgação em torno dessas vagas, o que dificulta ainda mais a efetivação do acesso dos estudantes rurais ao ensino superior Gois, Junior e Ximenes (2019). Por outro lado, a necessidade por escolarização de crianças e jovens procedentes de contextos rurais, incluindo realidades com demandas de 117 migração e permanência na agricultura, ou realidades rurais outras orientadas pela pluriatividade e áreas rururbanas, é recorrente, inclusive para o nível superior, técnico e profissional. Nesse sentido, são jovens que não necessariamente têm interesse de abandonar a vida no campo; pelo contrário, aspiram que as condições de vida no campo contem com melhor estrutura do que a de seus antepassados Zago (2016). Outrossim, sabe-se o quanto que o cenário de vida das mulheres rurais é historicamente permeado por relações de subordinação e obediência como elementos imbricados em suas vidas (Costa, Lopes & Soares, 2015). Contudo, observa-se também o longo caminho percorrido pela mulher, no que tange luta por direito à terra na reforma agrária, passando pela participação das mulheres nos sindicatos rurais e movimentos sociais do campo, sendo a atuação nos mesmos como elemento chave na luta por reconhecimento do seu papel na vida no campo e necessidade de educação e formação profissional. Ressalta-se a Constituição Federal de 1988 como grande conquista dessa luta, habilitando direitos formais às mulheres e uma série de políticas públicas que abarcam a realidade das mulheres das cidades e do campo, apesar dos muitos desafios que ainda se apresentam, sendo a educação e o ensino superior uma delas (Deere, 2004). Desse modo, cabe pensar a quem se destina o ensino superior no Brasil e qual o lugar das classes populares e daquelas oriundas dos contextos rurais nas universidades do país? Mas alerto que não podemos pensar o marcador de origem geográfica ou de lugar dissociado das questões de gênero e demais marcadores sociais. Neste caso, pergunto-me acerca da realidade das mulheres de origem rural que ingressaram no ensino superior e sobre as experiências que a vida universitária suscita na sua formação pessoal e profissional. Partindo da necessidade de entender os trâmites envoltos no processo formativo e experiência acadêmicas de mulheres de origem rural, e em especial da manutenção do vínculo estudantil dessas mulheres com suas respectivas universidades, é que esta pesquisa define como objetivo geral: Investigar as formas de acesso, a permanência de mulheres de origem rural no ensino superior e os reposicionamentos subjetivos suscitados pela experiência universitária. E comoobjetivos específicos: a)conhecer as experiências de mulheres de origem rural do ponto de vista do ingresso e da permanência no curso; b) refletir acerca das respostas do ponto de vista acadêmico e da política de assistência estudantil às mulheres de origem rural no ensino superior; e c) compreender os impactos da experiência universitária nos projetos de vida dessas mulheres. A fundamentação teórica está dividida em dois blocos: um primeiro destinado ao debate acerca do ensino superior no Brasil, tendo como base a compreensão de Gramsci e Freire acerca do valor 118 pedagógico do conhecimento e sua relevância no âmbito histórico, político e cultural, assumindo como horizonte a emancipação humana (Schlesener, 2016); e um segundo bloco voltado às mulheres, a ruralidade, a juventude rural e sua demanda por ensino a partir das reflexões de autoras como Brumer (2004), Carneiro (1998), Deere (2004), Saffioti (2005), entre outras, que se dedicam a pesquisa das relações de gênero e as forças que permeiam a cultura machista, sexista e patriarcal. Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, com estudantes mulheres que possuem matrículas ativas em duas instituições públicas de ensino superior de um município localizado no sul do estado do Maranhão, no Brasil. Operacionalmente, já se avançou em direção a solicitação de autorização institucional para realização da etapa de campo da pesquisa, para o encaminhamento do pedido de autorização para realização do estudo no Comitê de Ética. Em relação a escolha das participantes, se dará pela técnica de snowball (bola de neve), técnica utilizada a partir das redes de referência entre os sujeitos como ferramenta de acesso aos grupos da pesquisa, em que uma entrevistada indica outra até se alcançar o número esperado de participantes (Bockorni& Gomes, 2021). Nesse sentido, coloco como parâmetro pesquisar 12 participantes enquanto estudantes mulheres e duas representantes do setor administrativo das IFES a que tais estudantes são vinculadas. Como instrumento para produção das informações farei uso de entrevistas narrativas em profundidade na modalidade semiestruturada. Quanto a técnica de análise dos dados, pretendo apoiar o estudo na análise de conteúdo na categoria análise temática, com base nas etapas: categorização, inferência e interpretação dos dados (Minayo, 1993). O estudo seguirá as normas e procedimentos éticos conforme a Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, obedecendo os princípios da ética, sigilo e confidencialidade dos dados das participantes.