Introdução: A pesquisa ancora-se na produção dos estudos raciais no Brasil e do debate interseccional acerca da crítica da formação social brasileira, e das diversas lutas protagonizadas por comunidades negras no país diante do quadro histórico e estrutural de desigualdade, dominação e exploração da população negra no país. Assim recuperamos o debate sobre a luta e resistência da população negra e suas formas de organização, a partir da existência dos primeiros quilombos e demais formas de aquilombamento presente em nossa história, contra as relações de dominação e sujeição desde o período escravocrata. Foi a partir da história de luta e resistência que os povos africanos e afrobrasileiros, ainda no período colonial, com organização própria e valorização de modos de vida, cultura, religião e construção de uma identidade afro-brasileira, passaram a se organizar e se insurgir contra o poder colonial e escravagista. Trata-se, portanto, de experiências organizativas que atravessaram nossa história e tem ajudado a ressignificar as experiências coletivas de resistência negra na atualidade contra relações de poder e de dominação estruturais, culturais, de controle e disciplinamento dos corpos e subjetividades. Nesse esteira, Clovis Moura e Abdias Nascimento, importantes intelectuais negros da nossa história, ajudaram a entendermos nossa formação social, política e cultural, a partir de conceitos como quilombismo e quilombagem, importantes categorias que auxiliam pensar sobre os chamados quilombos urbanos ou territórios negros, presentes nos grandes centros do país. Os quilombos urbanos são espaços ou territórios de coletividade negra construídos por comunidades negras em que as tradições e a cultura afro-brasileira florescem para enfrentar o racismo estrutural, institucional e cotidiano a que são submetidos nas cidades. Isto posto, é de suma importância acompanhar, observar e refletir juntamente com os territórios negros urbanos, inclusive quando estes se autodenominam quilombos urbanos e passam a requisitar para si a condição de povos tradicionais, enquanto modo de vida, de luta e enfrentamento do 103 racismo e da violência diante das políticas higienistas e de limpeza urbana e políticas de morte para população negra, em curso dos grandes centros urbanos. Esse é o caso de Teresina, capital do Piauí, que guarda em sua história a imagem de uma cidade planejada e organizada, cuja racionalidade e esquadrinhamento urbano impõem uma lógica segregacionista e de limpeza social do seu território, expulsando, criminalizando e expondo a morte corpos considerados indesejáveis. Tomaremos, portanto, como analisador das zonas de conflitos que emergem dos tensionamentos contemporâneos vividos na capital piauiense, especialmente a partir das políticas de reurbanização dos territórios periféricos da cidade, que têm em sua origem estratégias de dominação de raça, de classe, de gênero e de origem de lugar, o caso da luta empreendida pela Comunidade Boa Esperança. Trata-se, como se autodenominam, como o último território remanescente de quilombo em Teresina, mais precisamente localizado na Zona Norte da cidade. Para quem não conhece, a Comunidade Boa Esperança é uma comunidade periférica, ribeirinha e vazanteira, localizada às margens do Rio Parnaíba, em uma região conhecida por ter sido o agrupamento originário da formação da cidade de Teresina, a Vila do Poti, em que mora cerca de 200 famílias. A Comunidade Boa Esperança é formada, sobretudo, por pessoas negras (pretas e pardas), pescadoras, agricultoras, artesãs, trabalhadores/as informais ou subempregos, com moradia precária, irregularidade fundiária e insegurança habitacional, além do histórico de inundações em época de enchentes. Trata-se de uma localidade com poucos equipamentos urbanos, o que dificulta o acesso à saúde e educação, redes de proteção social e formação profissional e condições de empregabilidade, além de enfrentarem o racismo e o preconceito pela origem do lugar, portanto, um grave e permanente quadro de violação de direitos. Em sua luta por resistência e sobrevivência do seu povo, a Comunidade Boa Esperança conta com organização social marcada por histórias de luta, memórias, autogestão de práticas agrícolas com o cultivo de hortas e produção cultural, religiosa, e criação de um museu próprio ligado à sua ancestralidade, oralidade e valorização do seu território, além da produção de conteúdo na internet (página web) e redes sociais sobre suas lutas. Seu território encontra-se ameaçado por interesses empresariais-habitacionais e pelo próprio poder público municipal com projetos de urbanização e gentrificação dos espaços. Pelo exposto, orientamos o presente estudo pelas perguntas: quais e como tem sido construído os sentidos coletivos de autoafirmação e de quilombo urbano pela Comunidade Boa Esperança? Fundamentação Teórica. A discussão sobre o conceito de quilombo e sua construção que buscará para além de descrever em comunidades de negros tradicionais e 104 rurais, se dará através de dois conceitos, sendo eles: quilombagem e quilombismo. Como referimos antes, são conceitos são introduzidos por dois autores negros: Clovis Moura e Abdias Nascimento. Quilombagem é o termo utilizado por Clovis Moura para designar o processo de comunidade e coletivos de escravos, que se organizavam e planejavam formas de sabotar e enfrentar o sistema escravocrata e derrubar a escravidão no Brasil bem antes dos movimentos abolucionistas. Por este entendimento, quilombagem é usado para nomear o processo de formação dos quilombos. Já quilombismo seria a síntese de experiências de práticas coletivas e de resistência dos negros no Brasil. Ou seja, refere-se a toda organização e autogestão de negros que buscam desde formas artísticas a modos de agitar mobilizações se autoafirmarem e construirem sua identidade quanto povo preto (Batista,2019). Quilombagem e quilombismo, portanto, são processos, movimentos, experiencias, produtores de transformações objetivas, dos sujeitos, subjetividades e campos de sentido que buscam superar o sistema racista, além de preservar e promover a cultura afro-brasileira, podendo ocorrer inclusive no meio urbano, formando corpos negros coletivos. Objetivos: O objetivo geral da pesquisa será compreender os sentidos produzidos pelos moradores da Comunidade Boa Esperança sobre seu processo de autorreconhecimento em torna-se quilombo. Como objetivos específicos: a) Conhecer as condições sócio-históricas e os cenários de lutas por autorreconhecimento da Comunidade Boa Esperança enquanto quilombo urbano. b) Acompanhar o modo como os moradores da Comunidade Boa Esperança tem se organizado sócio politicamente e resistido diante das condições de vida e histórico de desassistência por parte do poder público e ataques frente ao seu território a partir dos interesses empresariais-imobiliários. c) Identificar as práticas discursivas e os campos de sentido produzidos pelos moradores da Comunidade Boa Esperança na luta por autorreconhecimento em torna-se quilombo. Método: Tipo de Estudo: Trata de uma pesquisa qualitativa, descritiva-exploratória, na produção de sentido cotidiano. Tal metodologia, segundo Spink e Medrado (2013) apresenta-se como abordagem para análises de práticas discursivas, entendendo os sentidos que os moradores dão ao contexto e a conjuntura em que vivem, o histórico da comunidade e suas lutas e o processo de autorreconhecimento enquanto quilombo urbano em que se encontram. Local: A Comunidade Boa Esperança, como referimos antes, está localizada na zona norte de Teresina, localidade marcada historicamente por profundas desigualdades sociais, atravessado por diferentes marcadores sociais. Participantes: Moradores da comunidade Boa Esperança; Procedimentos: Observação e participação do cotidiano, de inspiração etnográfica, Produção de Diários de campo e Entrevistas 105 narrativas como ferramentas de produção e identificação de sentidos. Análise: produção de mapas de sentidos com base na perspectiva das práticas discursivas de produção de sentidos. Procedimentos Éticos: O projeto será submetido à apreciação ética do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Delta do Parnaíba observando todos os preceitos éticos preconizados pelas normas competentes (Resolução 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde).Referencias: Batista, P. C. (2019). O quilombismo em espaços urbanos: 130 após a abolição. Revista Extraprensa, 12, 377- 396. https://doi.org/10.11606/extraprensa2019.153780; Spink, M. J. P, & Medrado, B. (2013). Produção de sentidos no cotidiano: uma abordagem teórico-metodológica para análise das práticas discursivas. In M. J. P. Spink (Org.), Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano (pp. 22-41). São Paulo 106 Entre racionalidades, clausuras e privilégios: a assistência em Saúde Mental na Santa Casa de Misericórdia de Parnaíba-P