As mulheres e os homens traficados como escravas e escravos para o Brasil, provenientes de diversos locais do continente africano, com variadas etnias, culturas e línguas, trouxeram consigo costumes e crenças e lutaram para que estes fossem preservados, como forma de manter alguma ligação com sua ancestralidade. Os cultos religiosos, que mais tarde vieram a compor as religiões afro-brasileiras aqui originadas e organizadas, exerceram um papel fundamental entre os povos africanos e seus descendentes em terras brasileiras, sendo a devoção aos deuses e deusas, forças da natureza e ancestrais divinizados destes um dos fatores que mantinha os sentimentos de identidade étnica e de pertencimento. Sacerdotisas e sacerdotes, responsáveis pela organização dos cultos, preservação dos rituais, pelo repasse dos fundamentos doutrinários às futuras gerações e pela constituição de outros sacerdotes que por sua vez manteriam vivas as tradições religiosas, produziram não apenas atuações religiosas no âmbito dos terreiros que guiavam, mas movimentos políticos e subjetividades transversalizadas pela diferença e produção de linhas de fuga. Partindo dessa premissa, apresentamos, neste projeto de pesquisa, a seguinte problematização: Como se constituem os processos de subjetivação e produção de subjetividades de sacerdotisas e sacerdotes de Candomblé e Umbanda na cidade de Parnaíba, Piauí? A partir desse foco indagatório, objetivamos: a) cartografar modos de subjetivação e resistência de sacerdotisas e sacerdotes de Candomblé e Umbanda; b) acompanhar, terreiro adentro-terreiro afora, a itinerância do fazer-se sacerdotisa e sacerdote de religiões afro-brasileiras; c) mapear narrativas e produção de si mesmas e si mesmos nos espaços de encontros terreiro adentro - terreiro afora; d) analisar modos de sujeição e resistência no quefazer político, afrorreligioso, umbandista e candomblecista. Tomamos neste trabalho a cartografia como modo de fazer pesquisa-intervenção e nos servimos de ferramentas-conceitos da filosofia da diferença e da epistemologia da decolonização para acompanhar os processos de subjetivação de sacerdotisas e sacerdotes de 4 terreiros de Umbanda e dois de Candomblé, religiões afro-brasileiras praticadas no contexto parnaibano. Durante a pesquisa, acompanharemos seus lugares de praticantes de religiões de matriz africana, não apenas nos serviços internos dos terreiros, mas também em outros espaços, em seu trânsito, vivência e exercício político, a fim de entender de que maneira estas lideranças agenciam e são agenciadas em seus múltiplos devires nos terreiros e fora deles, mapeando as linhas de costura produzidas entre o se produzir sujeito nesses espaços e o se produzir sujeito no terreiro, ressaltando atravessamentos, capturas e linhas de fuga. Dados nossos vínculos com os povos de terreiro, para a produção das informações, partiremos da participação observante e faremos uso de diário cartográfico e entrevista na cartografia. A aposta deste trabalho está na concepção de que exercer o sacerdócio de religiões afro-brasileiras, que historicamente durante todo o período da escravidão e após ele precisaram operar formas de resistência às tentativas ora de criminalização ora de apagamento de seus cultos, é mais do que ocupar um lugar hierárquico religioso, é também um fazer ético, estético e sobretudo político que aponta para modos de resistência aos modos de sujeição à produção de subjetividade colonial-capitalística.