Introdução. Diante do caráter complexo de múltiplas realidades e vivências, as pessoas desenvolvem maneiras de lidar com a inevitável dor em todas as suas facetas. A autolesão, por exemplo, consiste no ato de causar algum tipo de dor, lesão e/ou sofrimento ao próprio corpo em decorrência de diversos vieses e perspectivas, tais como percalços psíquicos, situações cotidianas de estresse e/ou traumáticas, luto, ansiedade, desejo, preconceito, violência, questões sociais e culturais, dentre uma série de fatores (Junior, 2020; Macedo, 2019; Silva & Franch, 2020). Neste estudo, o processo autolesivo será investigado no ambiente educacional, tendo em vista sua insurgência e/ou transparência neste contexto estar ganhando expressivos números e indicadores. Dessa forma, tal objeto será analisado tomando como base a perspectiva da Psicologia Escolar Crítica, que atua considerando o ambiente escolar como um todo e a necessidade de uma visão não cristalizada do aluno-problema, pautando-se em políticas públicas educacionais para uma atuação mais ampla e contextual (Fonseca & Negreiros, 2021; Patto, 1997; Souza, 2009;). O que, por sua vez, demonstra sua relevância social, acadêmica e prática para a Psicologia Escolar, tendo em vista que tal fenômeno se mostra enraizado na sociedade, se apresentando crescente e/ou mais aparente entre crianças e adolescentes na idade escolar e em jovens adultos no contexto acadêmico. Além de necessitar de estudos aprofundados e atualizados no que tange a realidade piauiense, principalmente quanto à importância de uma atuação da psicologia na educação que se distancie do perfil de modelo de atendimento clínico-individualizante e que se norteie a partir da Psicologia Educacional Crítica. Fundamentação Teórica. Em 26 de abril de 2019 foi instituída a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a Lei 13.819 (Brasil, 2019) que estabelece a notificação compulsória de casos de autolesão e suicídio em instituições de saúde, de ensino público e privadas, para as repartições sanitárias e conselho tutelar - em casos que envolvem crianças e adolescentes- respectivamente. A Lei compreende por violência autoprovocada a tentativa, o suicídio consumado e a ‘automutilação’ com ou sem ideação suicida. Causar intencionalmente algum tipo de lesão e dor física ao próprio corpo consiste em um fenômeno complexo chamado de autolesão. Um dos principais termos que também é utilizado para referir-se a ele é ‘automutilação’, porém entende-se que a mutilação consiste na amputação de um órgão, e tal fenômeno, por sua vez, refere-se ao processo de ferir-se de alguma maneira, sem que, nenhum membro ou órgão seja, removido; portanto, utiliza-se com melhor contexto e descrição o termo ‘autolesão’ (Almeida, C., & Horta, P. 2010). É importante pontuar que nem sempre ela será acompanhada de intenção suicida, podendo acontecer em diversos casos, mas não se constitui como regra geral. A autolesão não suicida (ALNS) pode ocorrer em cinco ou mais dias ao longo do ano e alguns dos métodos mais utilizados são cortes na pele, queimaduras, mordidas, enfiar-se objetos pontiagudos e lançar-se contra a parede (American Psychiatric Association, 2013; Fabbrini, 2020; Klonsky, 2007). Quanto maior o tempo de decorrência do comportamento autolesivo sem o manejo adequado, maiores são as chances deste se transformar em um comportamento suicida. Isso pode ocorrer pelo fato do sujeito não estar conseguindo maneiras mais saudáveis de lidar com as dores vivenciadas, gerando assim uma maior probabilidade de o mesmo recorrer as tentativas de suicídio. Além disso, outro ponto importante é que conforme aumenta-se o número de vezes da prática de autolesão, bem como sua intensidade, maior a probabilidade desta resultar em uma morte acidental (Scavacini, Cacciacarro, Motoyama & França, 2021). Há muitos fatores de risco que podem direcionar o desenvolvimento e/ou manutenção da autolesão, sendo eles: o bullying, termo que mascara uma série de preconceitos presentes na sociedade, principalmente nas escolas, tais como racismo, machismo, homofobia, discriminação com pessoas que possuem alguma deficiência física e/ou mental; grupos online de incentivo à ideação, tentativa de suicídio e autolesão; abuso físico, sexual, moral, cada um em sua instância, apresentam particularidades e efeitos psicofisiológicos que podem levar a um adoecimento mental, principalmente à meninas e mulheres submetidas a violência de gênero, o que pode se relacionar ao fato destas serem as mais tentantes de suicídio e as que mais se autolesionam (Fabbrini, 2020; Monteiro & Miranda, 2021; Silva & Franch, 2020). A vulnerabilidade socioeconômica, o aumento do desemprego e da fome geraram muito adoecimento, bem como a proliferação da pandemia do Covid-19 e do isolamento, transformaram os modos de viver em todos os âmbitos, pessoais, de trabalho, relações sociais, econômicas, dentre outros; o que, por sua vez, pode tornar-se um fator agravante do comportamento autolesivo (Silva, Silva, Melo, Costa, Cardoso, Ramos & Silva, 2021). Além dos fatores já citados, existem outros que também podem ser colocados como indicadores de riscos, tais como transtornos psicológicos (depressão, ansiedade patológica, transtorno do controle de impulso), conflitos familiares e interpessoais, questões com a sexualidade e com o próprio corpo, impulsividade ou pensamento rígido, dificuldade em adaptar-se, dentre muitos outros. Por isso, é importante ter ciência que não há uma causalidade cristalizada, o processo autolesivo se consolida a partir de fatores multicausais e multideterminantes, sendo assim, ao serem trabalhados todas as perspectivas possíveis devem ser consideradas (Scavacini et al., 2021). Todos os pontos acima citados podem ser encontrados, insurgidos e proliferados no ambiente educacional, tendo em vista que estes lugares atuam como parte integrante da sociedade e consequentemente refletem, direcionam e/ou até mesmo podem determinar tais fenômenos, bem como possibilitar o aumento da evasão escolar (Costa, Gabriel, Lopes, Oliveira, Silva & Carlos, 2020; Souza, R. A. D. C., Cavalcanti, J. B., Castellon, L. A. S., & Camêlo, E. L. S., 2021). Por isso, é importante que se tenha uma perspectiva da Psicologia Escolar Crítica, que consiste na ruptura com a produção e reprodução de práticas padronizantes e quantitativas, na busca por um fazer psicológico pautado em uma visão de sujeito integral, em uma educação emancipatória/democrática e inserindo-se no desenvolvimento e na avaliação de políticas públicas educacionais, bem como na luta por subsídios que garantam o direito, saúde e bem-estar para os integrantes do ambiente educacional, portanto, neste caso, atuando junto às políticas intersetoriais (Araújo, Carvalho & Negreiros, 2021; Souza, 2009). Objetivos. Este estudo tem como objetivo geral investigar a atuação de psicólogas(os) escolares frente às demandas de autolesão na educação pública do estado do Piauí de acordo com a perspectiva da Psicologia Escolar Crítica e como objetivos específicos, analisar a partir dos relatos das psicólogas(os), a incidência do comportamento autolesivo entre alunos do ensino público piauiense; investigar as multicausalidades que podem estar relacionadas ao comportamento autolesivo no contexto educacional; analisar as práticas e possíveis intervenções da psicóloga(o) frente à autolesão, como demandas educacionais da escola pública. Método. O estudo se caracterizará como qualitativo, do tipo exploratório-descritivo, pois tem o intuito de apresentar fenômenos, circunstâncias, bem como as relações entre si em uma realidade determinada (Gil, 2010). Estima-se como participantes do estudo entre 12 a 24 psicólogas (os) escolares que atuam na educação pública do estado piauiense. Seguindo os critérios de inclusão, inseridas nos 12 territórios de desenvolvimento do Piauí. Será aplicado, por meio da plataforma digital Google Formulários, o Questionário Sociodemográfico para obter-se uma caracterização dos participantes quanto a sexo, idade, tempo de serviço, instituição de ensino, etapa de ensino em que atua (fundamental e/ou médio). Será utilizada uma entrevista semiestruturada visando compreender aspectos relacionados à incidência de demandas autolesivas, modelos de atendimentos aplicados (clínico, institucional, educacional) e as possíveis intervenções realizadas pelas (os) profissionais frente ao comportamento autolesivo. Para a realização das entrevistas será utilizada a plataforma digital Google Meet. O estudo foi submetido ao Comitê de ética e Pesquisa em Seres Humanos de acordo com o que consta nas resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466/2012, 510/2016, como também pela portaria circular n°2/2021 disponibilizado pelo CONEP (Conselho Nacional de Ética e Pesquisa) sobre pesquisas em ambientes virtuais. Será utilizado o Termo de Dispensa da Autorização Institucional (TDAI), om a finalidade de obter o assentimento para realizar-se a pesquisa. Além do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para que seja explicado os aspectos éticos do estudo às participantes. A análise de dados desta pesquisa será feita a partir da perspectiva Histórico Cultural (Vygotsky, 1999), onde é feita a descrição, explicação e a análise do processo de desenvolvimento de determinados fenômenos, considerando toda sua complexidade, valendo-se de seu contexto social, histórico e cultural. Tais pontos, sendo, portanto, trabalhados a partir da dialética de três fatores: singularidade-particularidade-universalidade (Fonseca & Negreiros, 2021; Martins & Eidt, 2010). Resultados e/ou Encaminhamentos para os Resultados: Espera-se com este estudo, compreender como a demanda de autolesão no ensino público do estado do Piauí se demonstra, bem como às práticas das psicólogas que atuam nesse meio. Assim, será possível traçar como tal fenômeno se manifesta nesse meio, bem como possibilidades de ação frente às suas demandas.