As religiões afro-brasileiras foram formadas a partir das matrizes filosófico-espirituais dos povos indígenas de Abya Yala (América) e dos povos nativos de África que foram trazidos ao Brasil como escravizados. Desde seu surgimento, essas religiões se colocaram como dispositivos de resistência frente às violências do regime colonial-capitalístico, que tratou e trata de destruir todas as formas de subjetivação, sobretudo aquelas vivenciadas a partir das noções de coletividade e comunalidade com todas as formas de vida (humanas e não-humanas, visíveis e invisíveis). Sacerdotisas e sacerdotes dessas religiões, produziram, então, não apenas atuações dentro dos terreiros, mas também insurgências micropolíticas que se propagaram para fora deles. Partindo dessa premissa, realizamos uma pesquisa acerca de como se constituem os processos de subjetivação e enunciação de sacerdotisas e sacerdotes de Candomblé e Umbanda na cidade de Parnaíba/Piauí. Objetivos: a) analisar os modos de subjetivação, sujeição e resistência de sacerdotisas/sacerdotes de Candomblé e Umbanda no seu quefazer religioso e político; b) acompanhar, nos espaços terreiro adentro-terreiro afora a itinerância do fazer-se sacerdotisa/sacerdote; c) mapear narrativas e produção de si mesmas/mesmos de sacerdotisas/sacerdotes umbandistas e candomblecistas. Método: Adotamos a cartografia não só como método, mas também como modo de fazer pesquisa-intervenção, em encruzilhada com a epistemologia decolonial do Quilombismo e as filosofias-espirituais afro-indígenas, que denominamos de Ecosofia de Terreiro. A análise dos processos de subjetivação e enunciação cartografados foi feita a partir da Esquizoanálise, tendo a Ecosofia de Terreiro como transversalidade. A cartografia foi composta a partir de três terreiros de Umbanda e dois de Candomblé, com a participação de duas sacerdotisas e três sacerdotes, os acompanhando nos fazeres internos dos terreiros, mas também em seu trânsito, vivência e exercício político em outros espaços, como rodas de conversa e eventos na cidade e nos próprios terreiros, e, durante a pandemia de COVID-19, em atividades que passaram a acontecer de modo remoto em redes sociais. Partimos da participação observante de suas produções e nos utilizamos do diário cartográfico e de entrevistas cartográficas realizadas de forma remota via plataforma de chamada de vídeo Zoom. Os resultados demonstram que sacerdotisas e sacerdotes produzem a partir das ecosofias de terreiro: a) micropolíticas decoloniais em diferentes âmbitos e espaços, que vão desde a produção de cuidado com os outros e cuidado de si – que perpassa um processo de afirmação de sua produção subjetiva pelas religiões de terreiro, um processo que é sempre coletivo – até a construção de alianças, além de estratégias de levar o terreiro para fora de seus limites físicos (vídeo para YouTube) e levar a comunidade para dentro do terreiro (construção de escolinha); b) uma ética de si, o que foi demonstrado ainda quanto à identidade de gênero e à orientação sexual, uma vez que elas/eles, bem como seus filhos e filhas performam gêneros e sexualidades minoritárias, e para além disso também abrem seus terreiros aos tensionamentos que pessoas trans trazem à estrutura binária do Candomblé; c) lives, reuniões virtuais com sacerdotisas e sacerdotes de todo o Piauí, realizadas durante a pandemia para debater a situação dos terreiros e traçar estratégias mútuas de ajuda. Assim, os modos de subjetivação e os processos de enunciação cartografados apontam para o papel de organização coletiva exercido por sacerdotisas e sacerdotes de Candomblé e Umbanda a partir de um devir minoritário que se produz também como um devir-grupo, devir-comum, através de um fazer ético, estético e político que se coloca como meio de resistência à sujeição colonial- capitalística.