O propósito desta dissertação é distinguir dois tipos de formação no pensamento de Friedrich Nietzsche. Trata-se da diferença entre domesticação e cultivo. São diferentes maneiras de lidar com o elemento bárbaro e animalesco do humano – suas pulsões, paixões e instintos, cujo substrato é o corpo. Para Nietzsche, como mostram as teses da Genealogia da Moral, domesticação não é superação da barbárie, mas seu adoecimento, por meio do qual as pulsões do corpo são castigadas para obedecerem à moral da negação de si e do mundo. Esta negação, por sua vez, não é ação livre, mas reação produzida pelo ressentimento dos fracos, que desejam se vingar dos danos sofridos pela ação dos fortes. Os fracos desejam dominar a barbárie, mas são impotentes diante de sua força hierárquica, então com ressentimento eles a anarquizam, até ficar totalmente fraca e submetida aos seus valores, como Deus, pecado, resignação, culpa e além-mundo. Por outro lado, o cultivo e a cultura, ao contrário da domesticação e da civilização, são a verdadeira superação da barbárie, na qual as pulsões do corpo não são negadas e oprimidas, mas devidamente orientadas para a criação. Ou seja, o que distingue o cultivo é precisamente sua habilidade com as próprias pulsões, ao contrário da reação ressentida, violenta e despreparada da domesticação. Desse modo, é preciso pensar o cultivo não só como educação diferente e libertadora, mas como proposta que deve ser levada a sério com a crise da domesticação e dos seus valores na modernidade, crise que Nietzsche chama de niilismo ou “morte de Deus”. Como superação do niilismo, o cultivo é associado ao estabelecimento de novos valores, que deverão afirmar e gratificar tudo o que foi caluniado pela domesticação, como a vida, o corpo, o devir, a autoafirmação, o orgulho, a terra e o mundo. Por fim, demonstra-se como essa afirmação conduz alguém a “tornar-se o que se é”. Isso deve iniciar com o cultivo de uma perspectiva capaz de hierarquizar as pulsões para o acúmulo de forças; esta hierarquização, por sua vez, não se diferencia de um processo seletivo por parte do “indivíduo”, que deve incorporar tudo o que for significativo para alimentar a força organizadora da própria potência criativa, como também saber negar tudo que deseja dissipá-la. Ou seja, o cultivo não pretende a negação das pulsões, mas o domínio sobre elas, um Sim e um Não, para que sirvam à criação. No entanto, sua hierarquia é diferente daquela bárbara e violenta, pois não prejudica – como a que ensejou o ressentimento nos fracos – mas sim dar o benefí- cio, de modo que seu acúmulo de forças busca a própria dissipação em proveito dos outros, numa demonstração de generosidade e riqueza. Em suma, o cultivo busca a nobreza de espírito que se doa, cujo efeito sobre os outros não é o ressentimento, mas seu contrário, a gratidão.