O modelo vigente de reforma agrária no Brasil baseia-se na criação de assentamentos rurais, onde se observa a prática da agricultura familiar, a qual contempla quatro dimensões: desenvolvimento econômico, segurança alimentar das famílias, manutenção do tecido sociocultural e conservação do meio ambiente, caracterizando-a como multifuncional. A questão norteadora deste estudo indaga como a multifuncionalidade da agricultura familiar contribui no desenvolvimento sustentável em assentamentos rurais, tendo como hipótese que essa agricultura é importante para a sustentabilidade do território. O objetivo geral consistiu em analisar como as dimensões multifuncionais da agricultura familiar se expressam nos assentamentos rurais Fazenda Boa Vista e Brejinho, localizados em Campo Maior - PI. Especificamente objetivou-se, nesses dois assentamentos, descrever o histórico de desapropriação e criação; relatar a configuração territorial e os aspectos edafoclimáticos; caracterizar o perfil socioeconômico e as práticas produtivas da agricultura familiar; investigar a gestão dos recursos hídricos e avaliar a eficiência da multifuncionalidade da agricultura, por meio de indicadores. Como suporte metodológico, realizaram-se dois estudos de caso, recorrendo-se ao levantamento bibliográfico, análise documental, visitas de campo e aplicação de formulários semiestruturados com os assentados. Os resultados apontam que a desapropriação da Fazenda Boa Vista e Brejinho envolveu resistência e luta dos agricultores, no contexto da reforma agrária dos anos 1990; o bioma característico é de Cerrado, com temperatura, precipitação e solo típicos do semiárido nordestino; os assentamentos são divididos em lotes, cada qual ocupado por uma família e geralmente cercados com arame farpado. Observou-se predomínio de jovens e adultos, com presença significativa de idosos, sendo a renda média das famílias de até um salário-mínimo, proveniente da pluriatividade, aposentadoria e Auxílio-Brasil (Bolsa-Família), com baixa complementação da agricultura. Constatou-se, ainda, que não há limitações de acesso aos recursos hídricos para consumo, embora haja para a agricultura, cuja produção é essencialmente orgânica, utilizando a bagana da carnaúba e esterco de animais como adubo, em quintais produtivos. Na Fazenda Boa Vista, as práticas culturais e religiosas são herdadas dos ancestrais, como farinhadas e festejos dedicados a santos católicos e a eficiência agricultura familiar, avaliada pelos indicadores, é regular. Dessa forma, trata-se de uma agricultura caracterizada como multifuncional, que não é suficiente para garantir a soberania alimentar e nem a renda principal dos assentados, carecendo de apoio mais eficiente de políticas públicas, em especial da assistência técnica. Também, foram constatados impactos ambientais nos territórios, com destaque para a deposição in natura de esgoto no solo, desmatamento e queima do lixo. Conclui-se que, embora a agricultura familiar favoreça o desenvolvimento sustentável, não garante autonomia social, econômica e ambiental nos assentamentos, necessitando assim de uma revisão das políticas públicas de criação e gestão desses assentamentos de reforma agrária.