A presente pesquisa objetiva analisar a gestão fundiária no Piauí e sua contribuição para reprodução do modelo de gestão dentro da perspectiva da colonialidade, tomando como base epistêmica o pensamento crítico de fronteira e outras perspectivas teóricas dos povos subalternizados, a exemplo do pensamento decolonial. Parte-se da informação que as mudanças nas ações desenvolvidas na gestão territorial brasileira nos últimos dez anos, que prejudicaram o atendimento das demandas dos povos do campo e das populações tradicionais, no sentido de manter diferença no acesso à terra e ao território. Isso orientou a formulação do questionamento prático que norteou a pesquisa: por que o sistema de gestão fundiária não soluciona os conflitos em torno da terra e do território e não resolve os problemas de acesso à terra e de restauração dos territórios dos segmentos sociais inferiorizados do campo? O ponto de partida para correlacionar a gestão fundiária com a colonialidade foi a formulação de Aníbal Quijano sobre a instituição da propriedade para controle da natureza e dos recursos naturais como um dos eixos de controle da reprodução social dentro da matriz colonial de poder. O delineamento adotado foi a pesquisa etnográfica adaptada para o estudo de organizações complexas. Utilizamos a triangulação entre diversas técnicas: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, observação participante e realização de entrevistas. As análises das entrevistas estão sendo realizadas com base no método hermenêutico-dialético, através de uma matriz de leitura transversal. As discussões apontam para a contribuição do sistema de sesmarias para a fundação da propriedade moderna e das diferenças territoriais, ancoradas nas distintas formas permissões e negações que regulam a apropriação sobre a terra com base em diferenças raciais/étnicas. O sistema de sesmarias, teve a função de tentar apagar e invisibilizar historicamente e persistentemente por três séculos os vínculos de pertencimento primário dos povos originários com seus territórios. A Lei de Terras de 1850 consolidou a função da terra como mercadoria e assistiu à implantação de uma territorialidade dominante e imposta como inquestionável, sempre amparada por sistemas que foram se adequando as mudanças do capitalismo no sistema-mundo moderno/colonial. A grilagem de terras fez parte da formação do mercado de terras para os grandes empreendimentos rurais desde a época colonial/imperial e seguem no mesmo sentido na ocupação da novas frentes agrícolas, que são protegidos em nome da prescrição aquisitiva, segurança jurídica ou em nome do progresso e do uso produtivo pelos terceiros compradores. A grilagem de terras é uma função inerente ao próprio sistema-mundo capitalista moderno-colonial, que segue sendo operacionalizada para a apropriação sobre a natureza os recursos naturais e os territórios, seja com base nas lacunas legais, seja com base na leniência do Estado, uma característica da colonialidade. As transformações no sistema de gestão fundiária já analisadas demonstram que elas seguem no sentido de amparar a colonialidade do território, da natureza e dos recursos naturais, sempre no sentido de abarcar as terras ainda não incorporadas aos circuitos capitalistas. Objetiva-se ainda nessa pesquisa complementar a caracterização das transformações da gestão fundiária no Piauí e sua relação com o controle do território e da natureza; identificar elementos da resistência decolonial frente a gestão fundiária; discutir aspectos/elementos atuais do sistema de gestão fundiária e de que forma reforçam a colonialidade para o controle do território ou contribuem para decolonialidade.