A pesca de captura em águas continentais é uma das principais fontes de segurança alimentar e renda para milhões de famílias pobres em todo o mundo. Entretanto, esta atividade tem sido ameaçada por setores externo e interno a ela. Sem dúvida, o desafio da gestão da pesca continental é ainda maior nos países de renda baixa e média. Uma alternativa seria estudos aplicando o conhecimento ecológico tradicional (TEK) dos pescadores. Trata-se de uma abordagem crescente e em aprimoramento, fornecendo informações úteis para a conservação dos peixes e na gestão da pesca. No presente trabalho, avaliou-se a dinâmica da pesca de pequena escala no médio rio Parnaíba (semiárido do Nordeste do Brasil) a partir do TEK dos pescadores. Primeiro, investigou-se interações entre atores humanos e não-humanos e como elas influenciam na dinâmica local de pesca. Os pescadores reconhecem a existência de seres míticos associados aos rios e aos peixes. Esses seres estão associados à sazonalidade e habitat específicos (i.e., marcadores temporal e espacial). O sentimento de respeito e medo em relação aos seres míticos sugere hábitos locais conservacionistas no manejo da pesca, a partir da cosmovisão em que os seres míticos atuam como reguladores da atividade. Entretanto, o avanço da urbanização e a introdução de novas religiões podem gerar um processo de aculturação, especialmente entre as gerações mais jovens. Segundo, investigou-se como o TEK dos pescadores poderia contribuir preenchendo lacunas de conhecimento científico sobre a distribuição geográfica e ocorrência de espécies-alvo da pesca local. Uma espécie de bagre diferente foi mostrada aqui para ocorrer e ser regularmente capturada por pescadores locais em ambientes de água doce. Esta informação altera a distribuição geográfica conhecida da espécie, historicamente relatada como ocorrendo em ambientes estuarinos. Assim, o presente trabalho confirma a importância do TEK dos pescadores como fonte complementar de conhecimento científico. Trata-se, portanto, de uma abordagem que precisa ser mais explorada na bacia do rio Parnaíba, região marcada por baixos índices de desenvolvimento social e condições ambientais adversas. Finalmente, padrões de uso de espécies de interesse comercial pelos pescadores foram investigados a partir da abordagem de redes de interação. Seus resultados serão úteis para a gestão dos recursos, reforçando também a importância do conhecimento local para a dinâmica local de pesca.