Como resultado das tensões decorrentes do debate e das lutas encampadas pelo movimento feminista, vimos acompanhando, principalmente nas últimas décadas, diversas mudanças nos papéis exercidos e dos locais ocupados por homens e mulheres na sociedade. Tais modificações são reflexos do esforço para rompimento com uma ordem sociocultural naturalizada, a qual vem definindo historicamente o espaço social entre indivíduos e individuas a partir dos critérios de diferenciação e oposição do sexo biológico. Assim, se pertencente ao sexo masculino (espaços públicos), e se pertencente ao sexo feminino (espaço privado/doméstico) (SAFFIOTI, 2001; RAGO,1996). É importante colocar que o estabelecimento dessa divisão social binária, marcada sobretudo por uma cultura patriarcal na qual predomina a dominação masculina, vêm colocando as mulheres numa condição estrutural de subalternidade. Assim, sobre elas tem recaído uma gama de violências (patrimonial, física e psicológica), que mantém e ao mesmo tempo retroalimentam essa desigualdade. Exemplos práticos dessa realidade são os altos índices de ocorrência de violência doméstica, a desvalorização das atividades historicamente compreendidas como femininas, as desigualdades salariais entre homens e mulheres, e a subrepresentatividade feminina nos espaços de poder, dentre outros. (BOURDIEU, 2017; CONNELL, 2015; HOLANDA, 2013). Nesse campo de força a família tem sido espaço de profundas transformações e disputas, de forma que sua regulação também tem passado por modificações, sobretudo a partir dos anos 70. Nesse sentido, considerada essa realidade, e se traçando uma interlocução entre essa discussão e o campo jurídico, especialmente no que diz respeito ao direito de família, essa pesquisa tem por finalidade analisar, a partir das produções da categoria gênero, por meio das sentenças judiciais proferidas nas ações litigiosas que versam sobre dissolução conjugal (divórcios e dissoluções de união estável) como as obrigações familiares tem sido divididas entres homens e mulheres e que fatores da ordem social interferem ou determinam essa realidade. Os resultados tem nos apontado que, inobstante o avanço que tenha se visualizado no sentido da afirmação da igualdade entre homens e mulheres, o que se tem observado é que as varas de família permanecem utilizando referenciais da família hierarquizada e estruturada com base nos papéis definidos para homens (provedores) mulheres (cuidadoras) a partir da diferenciação biológica para dirimir as controvérsias que versam sobre esse campo jurídico.