O câncer é uma condição patológica caracterizada por uma proliferação descontrolada de células, tendo na quimioterapia, uma das principais formas de tratamento para a doença. Os antineoplásicos utilizados nesse tratamento são, na sua grande maioria, originados de produtos naturais. Os alcaloides são um grupo diverso de compostos de baixo peso molecular contendo nitrogênio derivados principalmente de aminoácidos e são encontrados em muitas espécies de plantas. Alguns tipos de câncer, cujo uso de alcaloides tem sido estudado como terapêutica, incluem: câncer de pulmão, câncer de mama, câncer hematológico e câncer de próstata. Investigações fitoquímicas mostraram que a espécie vegetal Guatteria friesiana (W.A. Rodrigues) Erkens & Maas (família Annonaceae) é rica em alcaloides. Assim, na busca por metabólitos de origem natural que possam ser empregados na terapêutica do câncer, este estudo objetivou realizar uma prospecção de metabólitos em G. friesiana e avaliar os efeitos toxicogenéticos e antioxidantes da fração de alcaloides obtida das folhas dessa planta, em estudos pré-clínicos. Dessa forma, esta pesquisa se iniciou com uma busca na literatura sobre as características, propriedades e aplicações das espécies vegetais pertencentes à família Annonaceae. Em seguida, foi feita uma revisão sistemática sobre a espécie G. friesiana e o alcaloide aterospermidina, um dos marjoritários da fração alcaloidal estudada, com foco nos metabólitos identificados e suas aplicações farmacológicas. As atividades biológicas encontradas para a aterospermidina foram: citotóxica, anticolinesterásica, dano ao DNA, antioxidante e anti-RdRp SARS-CoV-2, sendo que a maioria dos estudos mostraram o potencial citotóxico da aterospermidina. Finalmente, foram realizados os estudos pré-clínicos para investigação dos efeitos toxicogenéticos e antioxidantes da fração rica em alcaloides de G. friesiana. Para isso, folhas da espécie vegetal em estudo foram coletadas e, a partir do extrato etanólico, foram obtidas as frações hexânica, diclorometano e aquosa. A partir da fração aquosa, separou-se a fração alcaloídica, a qual foi submetida a cromatografias em camada delgada preparativa. O produto obtido foi um material amorfo, amarelo-alaranjado e com teste positivo para alcaloides quando revelado com reagente de Dragendorff. Esse composto foi caracterizado através de técnicas espectroscópicas (IV, UV-Vis, RMN de 1H, RMN de 13C, DEPT 135°, COSY 1H-1H, HSQC 1H-13C e HMBC 1H-13C) e espectrométricas (DI-ESI-ITMS). Essas técnicas confirmaram que o produto isolado era uma fração rica em alcaloides dos quais foram identificados aterospermidina, 4-desidroxiguatteriopsiscina, 3-hidroximelosmidina e 9-metoxi-4-desidroxiguatteriopsiscina. A aterospermidina é um alcaloide amplamente encontrado em espécies de Annonaceae, enquanto os alcaloides 4-desidroxiguatteriopsiscina e 3-hidroximelosmidina, foi a primeira vez que esses compostos foram identificados nas folhas de G. friesiana. Nos ensaios pré-clínicos foram realizados testes toxicogenéticos, tais como: ensaio de MTT, Allium cepa e teste de micronúcleos com bloqueio de citocinese (CBMN) e testes antioxidantes para eliminação dos radicais ABTS e DPPH e teste em leveduras de Saccharomyces cerevisiae. No ensaio de MTT, a fração de alcaloides foi testada nas concentrações de 0,19; 0,39; 0,78; 1,56; 3,12; 6,25; 12,5; e 25,0 µg/mL, para verificar a viabilidade celular sobre as linhagens de células não tumorais L929 (fibroblastos de camundongos), MDA-MB-232 e MCF-7 (células tumorais de mama humano). A fração alcaloidal apresentou potencial citotóxico com valores de CI50=4,32 µg/mL para células L929, CI50=10,39 µg/mL para células MDA-MB-232 e CI50=7,41 µg/mL para MCF-7. No ensaio toxicogenético em raízes de Allium cepa, utilizou-se as concentrações de 100; 50; 25; 12,5 e 6,25 µg/mL. Observou-se que a fração de alcaloides apresentou inibição do crescimento das raízes de A. cepa (p<0,05) e redução do índice mitótico (p<0,05), caracterizando seu potencial citotóxico. Além disso, apresentou efeitos mutagênicos pelo aumento de alterações cromossômicas em todas as concentrações avaliadas (p<0,05). Ademais, pelo ensaio do CBMN na linhagem tumoral mamária MDA-MB-232, observou-se que essa fração provocou morte celular, principalmente por apoptose, possivelmente relacionados com os seus efeitos genotóxicos nas 3 concentrações analisadas (2,5; 5 e 10 µg/mL). A fração rica em alcaloides mostrou capacidade antioxidante com valores de CI50 de 20,70 e 17,88 µg/mL para eliminação dos radicais ABTS e DPPH, respectivamente. No teste com linhagens de S. cerevisiae, a fração apresentou atividade antioxidante nas concentrações de 5, 10 e 20 µg/mL para todas as cepas de S. cerevisiae. Portanto, a fração de alcaloides das folhas de G. friesiana apresentou efeitos citotóxicos e mutagênicos em células tumorais mamárias humanas e células vegetais, e efeitos antioxidantes, com valores de CI50 promissores para novos estudos com modelos de carcinogênese in vivo.