Conduzimos na presente tese uma investigação acerca da expressão do trágico em Lavoura arcaica (1975), de Raduan Nassar, a partir de uma ótica comparatista. Nossa interpretação visa tecer um diálogo com William Shakespeare e Friedrich Nietzsche como duas referências essenciais à escrita do romance e sua expressão trágica. Intencionamos seguir o fio da narrativa escrita em prosa poética para investigar como essa especificidade do uso da linguagem pode ser, na verdade, um modo de dizer o trágico na contemporaneidade. No primeiro capítulo, partindo de contribuições de Pageaux (2011) e
Brunel et al. (2012), discutimos como a perspectiva da literatura comparada fomenta a necessidade da abertura da obra literária rumo à uma análise que seja convidativa ao diálogo entre autores e entre literatura e outros saberes. Ainda no primeiro capítulo lançamos mão da conceituação do trágico através das elaborações de Eagleton (2013), Williams (2006) e Bradley (1991) para fundamentar o trânsito dessa noção entre épocas e para delimitar como os literatos e suas obras logram criar maneiras de dizê-la que viabilizam seu estudo em chave comparada. Em seguida, no segundo capítulo, procedemos ao cotejo entre Lavoura arcaica e Hamlet com o objetivo de demonstrar traços essenciais da construção trágica dos protagonistas de ambas as obras e de evidenciar como certos aspectos do romance estão em estreita consonância com a perspectiva trágica da peça; analisamos como Raduan Nassar atualiza e atribui novos sentidos à vivência de seu protagonista a partir desse processo de retomada e releitura. A análise é direcionada, portanto, aos aspectos determinantes, tais como: a perspectiva adotada pelos protagonistas no fluxo diegético das obras, o tema da doença e do adoecimento, e, por fim, à relevância atribuída por ambos os personagens à linguagem e aos seus usos e potencialidades no processo de afirmação individual e desvelamento do entorno social. Na outra ponta do espectro, recorremos ao filósofo alemão no intuito de elucidar como algumas de suas concepções, dentre elas conceitos e noções sobre corpo, verdade, crítica à moral de base judaico-cristã, assim como a noção de autoafirmação, estão alinhados com a vivência e os juízos do protagonista do romance. Sendo Lavoura arcaica um ponto de inflexão na literatura brasileira contemporânea, o presente estudo almeja contribuir, a partir da adesão à visada critica baseada no diálogo comparatista, com a fortuna crítica que tem se dedicado a deslindar os sentidos gerais da cultura e dos sujeitos nela inseridos tal como Raduan Nassar os elabora em sua obra.