Nosso objetivo neste primeiro capítulo de tese é examinar como opera o conceito que chamamos de epigênese poética ou poesia como epigênese a partir da obra A província deserta, de H. Dobal (1927-2008). A metodologia de análise é bibliográfica e baseia-se na leitura individual e silenciosa do corpus proposto considerando o conteúdo e a corporeidade dos poemas. Organizamos este capítulo em três eixos de discussão: contextualização do conceito de epigênese nas ciências biológicas e outros campos do saber a partir das contribuições teóricas de Andreas Wessel (2009), Charles Borges (2017), Jan Baedke (2018), Jason Robert (2004) e outros; defesa de nossa proposta sobre a ideia de epigênese poética ou poesia como epigênese levando em conta o pensamento semiótico-filosófico de Charles Peirce (2010, CP. 1931-1958, 8 vols.) e outros autores; e análise dos modos de experiências e instâncias em um poema de H. Dobal. Os principais resultados deste primeiro exame da obra nos mostram que a epigênese poética torna a leitura do poema significante preenchendo o vazio contido no espelhamento da linguagem verbal fora da consciência. Este preenchimento se dá numa operação de intersemioses dos modos de experiências (corpo-experiência, experiência-corpo, mente-experiência e experiência-mente) e instâncias poéticas de linguagem, de representação e de consciência. Cada modo de experiência e instância se dá no nível da autoria (autor-empírico e autor-metafórico) da recepção (leitor-empírico e leitor-metafórico). Isto torna possível classificarmos a epigênese poética em genuína e degenerada no âmbito da corporeidade e da consciência. Por conseguinte, na epigênese poética o poema é um texto-consciência por ser-um-estar-para-da consciência que é um ser-estar-para-a consciência através de uma determinada linguagem. A poesia constitui-se de obsignos, que são signos-de e signos-para. O espaço-tempo do autor-empírico-metafórico, da obra, das instâncias poéticas e do leitor-empírico-metafórico se torna um só espaço-tempo: o da mente-experiência no leitor-metafórico. Deste modo, o eu do poema se torna o eu do leitor. Portanto, percebemos que a epigênese na literatura contribui para mostrarmos como o pensamento poético evolui da consciência-de sobre um signo-de fazendo-se presença-para como obsigno atuando como texto-consciência na função de consciência-para de um signo-para.