A passagem em que Fabiano, personagem do romance de Graciliano Ramos Vidas Secas (1938), vê-se impelido a sacrificar Baleia, a cachorra da família de retirantes, é uma das mais celebradas da literatura brasileira. A transferência de foco narrativo do humano para o animal registra tão bem, no momento da morte de Baleia, o esvaziamento emocional da vida miserável em meio à seca nordestina da década de 1930 que até hoje provoca contundente reflexão no leitor. Como também nos apreciadores de duas adaptações da obra: o filme de Nelson Pereira dos Santos (1963) e a graphic novel da dupla Arnaldo Branco e Eloar Guazzelli (2015). Ao dilatar o trágico desfecho de Baleia em três diferentes linguagens – literatura, cinema e quadrinhos –, o presente trabalho adentra o campo da tradução intersemiótica, a transposição dos signos de um sistema (verbal, no caso do livro) a outro (visual, no caso do filme e da hq). Costurando uma transmetodologia amparada em Plaza (2018), Martin (2007), Eisner (2010), Carrière e Bonitzer (1996), Brasil (2019), dentre outros, o trabalho busca, a partir do livro e de sua tradução intralingual (formato diferente do texto original no mesmo idioma) nos roteiros do filme, escrito por Nelson Pereira dos Santos, e dos quadrinhos, por Arnaldo Branco, jogar luz sobre a decupagem textual, quando a frase sugere imagens, às vezes um enquadramento imaginário específico da ação descrita, e como isso potencializa a intersemiose tanto no instante da leitura quanto no diálogo com as adaptações. Como se caracterizam as decupagens textuais no romance e nos dois roteiros adaptados? Quais elementos narrativos próprios de cada linguagem atuam no processo intersemiótico para a construção da morte de Baleia? Como se processa a mudança de foco narrativo de Fabiano para a cachorra na dialética de convergências e divergências das decupagens para com a intersemiose de cada linguagem? A decupagem textual, num grau ou noutro, é um elemento presente na narrativa verbal de Vidas Secas, sobretudo na relação intersemiótica com o imaginário do leitor e dos roteiros com as respectivas traduções para o signo visual. Além de promover uma maneira distinta de refletir sobre o processo criativo da adaptação literária pela aproximação dos três textos, a decupagem textual atravessa o processo intralingual para se revelar como um gatilho intersemiótico da passagem da morte da cachorra para outras linguagens, atuando diretamente nos tipos de tradução.