Sujeito e cultura são dois conceitos constantemente revisados na história dos saberes. Dependendo do enfoque, se antropológico, histórico ou filosófico, muda-se a dinâmica entre um e outro para privilegiar-se um aspecto específico dessa relação. Sendo a literatura uma expressão cultural por excelência e ocupando-se da representação de sujeitos, é seguro afirmar que o seu desenvolvimento acompanha ainda hoje as modificações que se dão no âmbito dessa relação entre sujeito e cultura. Este trabalho tem como corpus o romance Demian, escrito em 1919 por Hermann Hesse, que narra a vida e o desenvolvimento (Bildung) de Emil Sinclair e seu relacionamento existencial com o amigo Max Demian. Levando em consideração essa dinâmica entre sujeito e cultura, e tendo em vista a noção de ambiência (Stimmung), como postulada por Gumbrecht (2014), o objetivo desta pesquisa é partir de um diálogo entre literatura e filosofia para demonstrar que há uma crítica aos preceitos da modernidade, a saber, as ideias de verdade, unidade, racionalidade, individualidade, que pode ser observada a partir das formulações acerca da cultura, e do sujeito nela inserido, como são propostos no romance. Postulamos que essa crítica, ou o teor crítico evidenciado pela construção narrativa, são impulsionados por um alinhamento com a perspectiva nietzschiana acerca dos mesmos aspectos, surgindo assim a ideia de um diálogo entre as áreas. A pesquisa é de caráter bibliográfico e o método utilizado para a análise da obra em questão foi o estudo qualitativo das personagens principais do romance e análise da conjuntura cultural da qual a obra emergiu. Para isto, alguns excertos da obra foram apreciados, incluindo diálogos e trechos em que predominam a voz do narrador. O aporte teórico foi composto pelas reflexões de Gumbrecht (2010;2014), Habermas (2000), Berlin (2015), Safranski (2010), Blanchot (2016), Enne (2005), Swales (1978), Moretti (2000) dentre outros. Através do estudo de Demian, a partir da análise das personagens e dos temas evocados, é possível identificar uma construção narrativa que põe em movimento uma contestação a um possível modelo de sujeito moderno herdeiro dos preceitos racionalistas do Iluminismo.