Nesta pesquisa buscamos verificar, numa perspectiva historiográfica, o tratamento dado às abonações literárias constantes nas gramáticas de Silveira Bueno1956[1944], Rocha Lima 1964[1957] e Evanildo Bechara 1967[1961], gramáticas de referência produzidas e publicadas nas seis primeiras décadas do século XX. São obras próximas no tempo e no contexto de produção, logo, frutos de um mesmo clima de opinião. Nossos pressupostos teóricos provêm da Historiografia da Linguística, tal como praticada por Koerner (1996) e Swiggers (2004) ‒ campo disciplinar que objetiva o estudo sistemático e crítico da produção e evolução de ideias linguísticas, propostas por diferentes agentes, na constante interação entre si (com seu passado científico e cultural) e com o contexto sociocultural e político, desse modo, especificamente, discutimos categorias de análise como influência e modelo de história do tipo continuidade e descontinuidade. Além disso, percorremos estudos historiográficos com foco nas funções semiótica e argumentativa do exemplo (Rey, 1995; Chevillard et al., 2007; Kistereva, 2015; Auroux, 1998), para compreendermos e, assim, diferenciarmos de abonação. A partir de Welker (2004), em campo lexicográfico, restringimos a ideia inicial do autor para o domínio gramaticográfico, assim, lançamos mão da expressão abonação literária para diferir de exemplo no texto gramatical, a qual entendemos como todo enunciado inserido no discurso gramatical, extraído de um corpus de língua literária (autores de reconhecido valor), apresentado como garantia de uso pelos gramáticos. As abonações podem trazer clareza sobre a fixação de uma norma em uso vinda de autores eleitos em um dado tempo. A análise parcial de nossa pesquisa contou com os dados catalogados na Gramática Normativa da Língua Portuguesa (doravante, GNLP), de Rocha Lima, e comentários analíticos a respeito das abonações constantes nesse compêndio. Seguem algumas considerações gerais sobre os dados: são 96 autores citados na GNLP em um total de 755 abonações. Com exceção de Júlia Lopes de Almeida, todos os demais autores citados são do sexo masculino. Em termos de frequência de uso, os autores portugueses são a maioria em número de abonações. Os mais citados na GNLP são Alexandre Herculano (90 excertos), Camilo Castelo Branco (100 excertos) e Machado de Assis (94 excertos), sendo os dois primeiros portugueses e o último brasileiro. O século mais representado na GNLP é o século XIX, tanto em relação a prosadores brasileiros (15) e poetas (29), quanto prosadores portugueses (11) e poetas (9). Depreende-se, a partir dos dados expostos, que a norma padrão eleita para fixação de regras na GNLP é predominantemente lusitana e do século XIX. A prosa é o tipo de texto mais abonado, tanto em autores brasileiros quanto em autores portugueses. Por fim, pudemos verificar, a partir das regras gramaticais formuladas pelo gramático, a inferência do conteúdo semântico que possibilitou verificar se o que o guia na prescrição de regras é a representatividade da frequência de uso, a partir da escrita dos autores abonados, por exemplo, ou se a partir de particularidades como escolhas pessoais, dentre outras possibilidades que foram surgindo com as análises feitas.