Apresentamos nesta tese de doutoramento a categoria de ante-humanidade. Para seu desenvolvimento e fundamentação teórico-semântica, investigamos a obra de ficção de Oswaldo de Camargo, especificamente, o livro de contos O carro do êxito, de 1972, e a novela A descoberta do frio, de 1979. Nossa abordagem expõe a ante-humanidade como categoria analítica da obra de ficção do autor, considerando três aspectos: a ante-humanidade como categoria de classificação, como categoria de leitura e como categoria de interpretação. Nossa proposta considera a ante-humanidade como um lugar social de inferiorização e subalternização atribuído ao corpo negro na sociedade brasileira. Da forma como a ante-humanidade foi pensada e formulada, o corpo negro não estaria na mesma posição social que o corpo branco, estando, pois, num lugar de anterioridade, de antecedência e, mesmo, de contrariedade do corpo branco. Nesse sentido, o negro não foi considerado um ser humano, mas um corpo desprovido do caráter humano. Assim, a noção de humanidade ficaria, pois, restrita ao corpo branco, ao colonizador, ao europeu. A ante-humanidade não pode ser pensada como ação de desconstrução ou desumanidade, dado que, da forma como a formulamos, a desumanidade é a ação de tirar a humanidade do ser, do sujeito. No caso específico do negro, a ele não foi dado o direito de alcançar a humanidade. Para o colonizador europeu, o negro não teria atingido essa etapa. Por causa disso, não há por que falar em desumanidade, já que o negro não a possuía. A ante-humanidade é um lugar de desprivilégio e de negação atribuído ao corpo negro. Em vista disso, nossos objetivos são os seguintes: identificar como se instaura o lugar de representatividade do corpo negro na ficção de Oswaldo de Camargo e como isso se reflete nas narrativas; examinar como a ficção de Oswaldo de Camargo problematiza a ante-humanidade imposta ao corpo negro; verificar de que modo os protagonistas negros e negras desconstroem a ante-humanidade atribuída ao corpo negro na narrativa de Oswaldo de Camargo; e demonstrar como as personagens vivenciam a condição de ante-humanidade. Para a elaboração do problema de pesquisa, as bases teóricas de Frantz Fanon, em Pele negra, máscaras brancas, de Lélia Gonzalez, em Lugar de negro, de Neusa Santos Souza, em Torna-se negro e de Oyèrónké Oyêwùmí, em A invenção das mulheres exercerão papel de destaque no desenvolvimento do argumento. Nossa tese é a seguinte: a ante-humanidade é a atribuição de um lugar de desprivilégio e de negação de humanidade ao corpo negro. Por causa disso, o negro vive em condições de subalternidade, opressão e repressão, sendo o biorracismo um dos principais componentes da ante-humanidade.