São muitas as possibilidades discursivas entre literatura e outras linguagens e não é raro o fascínio que as aproximações intersemióticas exercem sobre muitos estudiosos. Na contemporaneidade, tem crescido, entre os que estudam o fenômeno estético, o interesse pelas relações entre literatura e música. Esse estudo tem conquistado espaço significativo em universidades brasileiras e são vários os vieses de análise em torno do tema. Nesta pesquisa, dialogaremos com a vertente que trabalha essa relação a partir do estudo de um objeto híbrido (palavra e melodia), ou seja, do estudo da canção. Isso porque o objetivo desta pesquisa é analisar recursos de espacialidade operacionalizados no trâmite da literatura para a música, verificando como a palavra do poema adquire novos contornos no âmbito sonoro da canção. O estudo centra-se na análise de canções geradas a partir de poemas; o recorte privilegia determinados eixos temáticos vinculados à categoria do espaço literário, assim o corpus consta dos seguintes álbuns: Ode descontínua e remota para flauta e oboé, de Ariana para Dionísio (2005) – canções compostas a partir de poemas de Hilda Hilst musicados por Zeca Baleiro, por meio do qual analisaremos questões referentes ao espaço sonoro do poema no trâmite para a canção; O corpo (2000) – canções a partir de poemas de Arnaldo Antunes musicados por ele mesmo, por meio do qual analisaremos questões referentes ao trâmite do suporte: corporeidade e sentido de presença e As várias caras de Drummond (2004) – canções a partir de poemas de Carlos Drummond de Andrade, musicados por Belchior, por meio do qual analisaremos questões relativas à representação do lugar, como espaço vivenciado. Para desenvolver este estudo, recorreremos a aportes teóricos da Literatura Comparada, dialogando com Pageaux (2011); Steiner (2001); Carvalhal (2010) para refletir sobre os pressupostos teóricos e metodológicos dessa disciplina. Tomaremos as proposições de Oliveira (2002, 2003) sobre a melopoética e outros estudiosos que abordem a relação literatura e música como Tattit (1997, 2007); Sopeña (1989). E para compreender os recursos de espacialidade nos apoiaremos em estudos produzidos no âmbito da Teoria do Espaço Literário, dentre os quais destacamos: Brandão (2013); Blanchot (2011); Pinheiro (Org. 2019, 2020); Borges Filho (2007); Zumthor (2000). Além disso, para a análise são salutares os estudos de Gumbrecht (2010) sobre produção de presença e de Iser (1996a, 1996b, 2002) sobre mecanismos de criação simbólica.