AULA 3 Um percurso historiográfico sobre ética. (05/04/2023 - 05/04/2023)
Definição dos temas dos seminários.
Eixos temáticios: 1. Teoria Ética 1.1. Ética Normativa, Metaética, Ética Aplicada 1.2. Psicologia Moral 1.3. Relativismo moral 1.4. Perspectivas empíricas em ética 2. Ética normativa clássica 2.1. Deontologismo 2.1.1. Kantismo 2.1.2. Contratualismo 2.2. Consequencialismo 2.2.1. Utilitarismo do ato 2.2.1. Consequencialismo da regra 2.3. Ética das virtudes 3. Tendências contemporâneas 3.1. Ética das capacidades 3.2. Ética continental 3.4. Ética Feminista 3.5. Ética pragmática 3.6. Ética ambiental normativa 2.9. Ética da Tecnologia e Design 4. Contra a teoria: desafios analíticos e continentais à teoria ética.
ÉTICA NORMATIVA E SUAS DIVISÕES
As correntes da ética normativa podem ser divididas em duas categorias: a ética teleológica e a ética deontológica. A ética teleológica preocupa-se em determinar o que é correto de acordo com as finalidades que se pretende atingir, já a ética deontológica procura determinar o que é correto, não segundo a finalidade, mas sim guiando-se pelas regras e normas em que se fundamenta a ação.
ÉTICA TELEOLÓGICA
Suas principais subdivisões são: a ética consequencialista, que se baseia nas consequências da ação, e a ética das virtudes, que considera o caráter individual ou virtuoso do indivíduo.
ÉTICA CONSEQUENCIALISTA
O egoísmo ético e o utilitarismo são as duas principais correntes do consequencialismo. Ambas defendem a ideia de que o ser humano deve agir de forma a produzir consequências boas, no entanto a diferença que consiste entre as duas é que para o egoísmo ético, o ser humano deve agir para seu próprio benefício, enquanto para o utilitarismo, o ser humano deve agir em função do interesse comum. Pode-se enumerar três posturas típicas do egoísmo ético: a) o indivíduo entende que as ações de todos devem convir com seu interesse individual; b) o indivíduo age apenas segundo seu interesse individual, sem que a ação ou o interesse de outros seja objeto de sua preocupação ética; c) o indivíduo crê que cada pessoa deve sempre agir de acordo com seu interesse próprio [...] (BORGES; DALL’AGNOLLO; DUTRA, 2002, p. 9). Com as afirmações acima enunciadas, percebe-se que a principal vantagem do egoísmo ético é a facilidade em determinar o próprio interesse, comparando-se com a dificuldade de se determinar o interesse coletivo, ou aquilo que traria maior benefício a todos. O problema que surge com a primeira e a segunda versão é que ambas são benéficas apenas para um indivíduo ou para um grupo de indivíduos, não podendo ser aplicada à humanidade em geral. O problema com a terceira forma é que, se a mesma estivesse vigente, não comportaria normas ou ações com validade universal, visto que muitas vezes as pessoas têm interesses excludentes. Se o egoísmo ético assinala que o indivíduo deva agir de acordo com seus interesses próprios, já o utilitarismo assinala que cada indivíduo deve agir de forma a proporcionar o maior bem ou a maior felicidade para todos que o circunda. “O utilitarismo [...] propõe que o conceito ético seja elaborado com base no critério do maior bem para a sociedade como um todo [...] a conduta do indivíduo, diante de determinado fato, dependerá daquela que gerar um maior bem para a sociedade” (SILVA et al., 2003, p.15). Qualquer versão do utilitarismo apresenta pelo menos cinco traços básicos (BORGES; DALL’AGNOLLO; DUTRA, 2002): a) considera as consequências das ações para assim estabelecer se as mesmas são corretas ou não; b) apresenta uma função maximizadora daquilo que é considerado valioso em si mesmo; c) apresenta uma visão igualitária dos agentes morais; d) apresenta uma tentativa de universalização na distribuição de bens; e) apresenta uma concepção natural sobre o bem-estar. Certamente um dos méritos do utilitarismo é levar em conta as consequências da ação, pois as mesmas constituem o que entendemos por responsabilidade moral. Quando alguém é responsabilizado por algo, não se considera apenas o ato praticado, mas também o resultado do mesmo. Questões sobre o valor das consequências para estabelecer a correção das ações, devem evitar, contudo, duas teses absolutistas: “[...] a de que as consequências nunca devem ser consideradas, e a de que as consequências são suficientes para estabelecer o valor moral de um ato” (BORGES; DALL’AGNOLLO; DUTRA, 2002, p. 41). Para o reformulador do utilitarismo contemporâneo, o pensador inglês, John Stuart Mill, a felicidade é o critério para definir o ato bom. Para Mill a felicidade é a maximização do prazer espiritual e a redução da dor física e psicológica (Mill, 2000). A felicidade que Mill e os utilitaristas em geral adotam em seu padrão de comportamento, ditando o que é certo, não se fundamenta no próprio agente, mas sim em todos envolvidos. John Stuart Mill (2002) recomenda alguns meios para que se alcance a utilidade ideal: a) As leis e os dispositivos sociais deveriam pôr o quanto possível a felicidade, o interesse de cada indivíduo em harmonia com o interesse coletivo; b) a educação e a opinião deveriam usar o poder que possuem para estabelecer no espírito de cada indivíduo a associação entre sua felicidade e o bem de todos. Assim o homem seria incapaz de conceber uma incoerência entre sua felicidade e o bem geral, e estaria imbuído de um sentimento para a promoção do bem geral, como uma atitude habitual. O utilitarismo está comprometido com a tese de que deve sempre ser feito o melhor possível, partindo da pressuposição de que se algo é bom, não seria razoável produzí-lo em pequenas porções, pois quanto mais se tiver do que é bom, melhor pra todos. Deve-se lembrar de o que deve ser maximizado não é o nosso próprio bem, mas a maior felicidade para o maior número possível. Tal função maximizadora do utilitarismo o torna uma teoria ética com certa tendência perfeccionista. Para exemplificar este argumento citamos o pensador grego Aristóteles, para o qual ‘se as virtudes constituem a felicidade, as mesmas devem ser desenvolvidas no maior grau possível’. Porém, ninguém pode exigir que todos vivam um grau heroico das virtudes, que todos sejam santos ou heróis. O princípio da igualdade entre os seres humanos não é a descrição de um fato atual entre os humanos, mas antes é uma prescrição de como nós deveríamos tratar os seres humanos. Para Singer: O argumento para estender o princípio da igualdade além da nossa própria espécie é simples, tão simples que não requer mais do que uma clara compreensão da natureza do princípio da igual consideração de interesses. [...] esse princípio implica que a nossa preocupação com os outros não deve depender de como são, ou das aptidões que possuem (muito embora o que essa preocupação exige precisamente que façamos possa variar, conforme as características dos que são afetados por nossas ações). É com base nisso que podemos afirmar que o fato de algumas pessoas não serem membros de nossa raça não nos dá o direito de explorá-las e, da mesma forma, que o fato de algumas pessoas serem menos inteligentes que outras não significa que os seus interesses possam ser colocados em segundo plano (SINGER apud GERALDO, 2002, p. 3). O princípio da igualdade estabelecido por Singer não significa simplesmente que os fatos demonstrem a situação desejada; ao contrário, trata-se de um verdadeiro dever entre os homens, pois ultrapassa o campo das ideias para atingir o campo da ação, onde a igualdade não somente é objeto de reflexões, mas sim uma realidade concreta. Outro elemento fundamental da teoria ética utilitarista é a sua efetiva preocupação com o bem-estar dos agentes. A diminuição extrema do sofrimento é um ideal do mais alto valor, por isso o utilitarismo é uma teoria ética que prima pela qualidade de vida e bem-estar dos agentes. Ao longo do tempo o utilitarismo sofreu inúmeras críticas, entre essas o fato de não possuir uma concepção refinada de valor; e a forma que é utilizada para fornecer a concepção do certo e errado normalmente é diferente das razões aceitas pelas pessoas. Outra suposta desvantagem é o fato de o utilitarismo não reconhecer os direitos humanos (BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002). Essas críticas cabem apenas ao utilitarismo clássico de Jeremy Benthan.3 Todavia Mill reconheceu que existem coisas mais importantes que o prazer, sendo muitas vezes o prazer e a felicidade, frutos do exercício de outras virtudes. Um exemplo utilizado para argumentar a diferença entre o certo e errado, normalmente utilizado na concepção utilitarista, poderia ser o fato de um assassinato não ser aceito por de aumentar a dor e diminuir a felicidade; no entanto, o que é mais aceito seria que ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém independente dos fatos que possam mover o agente (BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002). A suposta desvantagem, baseada no fato do utilitarismo não reconhecer o valor dos direitos humanos, é derrubada por Mill, pois o mesmo reconhece que a felicidade do agente é importante tanto quanto a felicidade do demais envolvidos (MILL, 2002).
ÉTICA DAS VIRTUDES
Neste subitem será tratada a ética das virtudes, iniciando com a apresentação do pensador grego Aristóteles. Aristóteles tem uma perspectiva da virtude como sendo uma faculdade prática, pois não depende necessariamente de conhecimento teórico, mas é construída pelo hábito. É o exercício repetitivo de uma faculdade humana, presente no caráter do homem; é uma segunda natureza conquistada através do esforço pessoal (ARISTÓTELES, 1985). Para a ética das virtudes a ênfase incide sobre o caráter virtuoso ou bom do homem, e não primeiramente sobre os seus atos e sentimentos, ou sobre as regras e suas consequências. A virtude supõe uma disposição, um desejo de comportar-se de maneira moralmente correta, isto é, desejando o bem, em contrapartida o vício é uma disposição uniforme e continuada de querer o mal (VÁZQUEZ, 2002). Porém, um ato moral por si só, de forma isolada, não caracteriza virtuosidade ou não em um indivíduo, da mesma forma uma reação esporádica e isolada não é capaz ou suficiente para determinar seu caráter. [...] um ato moral isolado (heroico, por exemplo) - por valioso que seja – não é suficiente para falar na virtude de um indivíduo. Dizemos que alguém é disciplinado, generoso ou sincero quando observamos que pratica as respectivas virtudes vezes sucessivas: por isto Aristóteles dizia também que a ‘virtude é um hábito’, ou seja, um tipo de comportamento que se repete ou uma disposição adquirida e uniforme de agir de um modo determinado. (VÁZQUEZ, 2002, p. 214), A doutrina desenvolvida por Aristóteles na obra Ética a Nicômaco pode ser considerada o marco inicial da ética das virtudes. Para Aristóteles (1985, p. 11), “[...] o objetivo da ética seria então determinar qual é o bem supremo para as criaturas humanas (a felicidade) e qual a finalidade da vida humana [...]”. Em Aristóteles (1985) o bem supremo consiste numa condição de bem-estar duradouro, conquistado pela realização da racionalidade humana, que é a finalidade da vida humana. Apenas o desenvolvimento da capacidade racional do homem poderá proporcionar uma vida plena, e esse desenvolvimento só é possível pela virtude, que é a excelência moral do homem. Na visão aristotélica: Parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como esse bem supremo, pois a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo mais, mas as honrarias, o prazer, a inteligência e todas as outras formas de excelência, embora a escolham por si mesma (escolhêlas-íamos ainda que nada resultasse delas), escolhemo-las por causa da felicidade, pensando que através dela seremos felizes (ARISTÓTELES, 1985, p. 23). Quem escolhe a felicidade, a escolhe por si mesma, pois a mesma é tida como o fim das coisas e não um meio. Ainda para Aristóteles (1985), sendo o homem um ser sociável, a felicidade de cada criatura humana pressupõe a felicidade daqueles que o circundam. Já o utilitarismo afirma que a felicidade consiste no maior bem para o maior número de indivíduos, e que as ações são corretas proporcionalmente, na medida em que constituem meios adequados para atingir esse fim (BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002). No entanto as virtudes são vistas como meio para se alcançar a felicidade, são desejáveis em sua essência. O seu exercício está ligado ao bem-estar que daí resulta, pois o homem virtuoso pondera suas ações, levantando considerações que delas resultarão. A felicidade em Aristóteles é entendida como o maior bem que o homem pode alcançar, e identifica-se em viver bem e fazer o bem, mas para isso é necessário ter uma vida virtuosa. Aristóteles divide as virtudes em virtudes morais ou éticas e virtudes do pensamento, chamada de virtudes dianoéticas; as virtudes morais são alcançadas pelo exercício, portanto são virtudes de ação, já as dianoéticas são alcançadas pelo estudo, pelo conhecimento (MARQUES, 2010). Desde modo o homem vai trilhando o seu caminho em busca da felicidade, buscando o equilíbrio entre a virtuose e o vício (escassez), equilíbrio denominado por Aristóteles de “justo meio” (MARQUES, 2010). Aristóteles pergunta então qual é a melhor forma de vida. Sua indagação encontra a resposta em uma função específica do ser humano, na racionalidade, sendo esta a característica que difere o homem dos outros animais (BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002). Sendo a racionalidade a função que deve nortear as ações humanas, é a mesma que leva o homem à prática contínua de boas ações, tornandoas bons hábitos. Porém, para Aristóteles (1985) a virtude não pode ser igualada a um mero hábito: ela é fruto da educação e do cultivo de bons hábitos. O estado virtuoso é uma espécie de segunda natureza. “Na verdade, o agir eticamente não implica, apenas, uma harmonia entre razão e sentimentos. Ele exige também, de parte do agente [...] uma vontade moralmente boa (chamada de virtude)” (COMPARATO, 2006, p. 507). “A liberdade é o pressuposto da ética e a explicação da radical imprevisibilidade do comportamento humano” (COMPARATO, 2006, p. 495). Ainda, o homem é o único ser que combina, em sua vida social, a necessidade física e biológica com os deveres éticos, a sujeição aos fatos naturais com a autonomia de ação.
ÉTICA DEONTOLÓGICA
Segundo a ética deontológica, a análise das consequências de um ato ou comportamento não deve influir no julgamento moral sobre as ações das pessoas (BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002). “Uma teoria ética recebe o nome de deontológica (do grego déon, dever) quando o valor de uma ação não depende exclusivamente das consequências da própria ação ou da regra com a qual se conforma” (LEITE, 2010). Assim sendo, a teoria deontológica sustenta que o dever em cada caso particular deve ser determinado por regras que são válidas independentemente das consequências resultantes de sua aplicação. A ética deontológica divide-se em ética intuicionista, ética do discurso, ética do dever e contratualismo moral.
ÉTICA INTUICIONISTA
A ética intuicionista acredita na possibilidade do ser humano ter conhecimento imediato sobre o que é correto ou não. Afirma que intuitivamente o homem possui conhecimento sobre o certo e o errado, sem que haja discussões sobre tais princípios, visto que não é pela razão que indivíduos justificam suas crenças. “[...] o intuicionista, segue a ideia de que já temos opiniões bem justificadas para utilizarmos nas questões morais tradicionais, faltando apenas sistematizá-las coerentemente” (BONELLA, 2010). O intuicionismo moral apresenta um ponto favorável, pois o mesmo trata de uma teoria fiel ao fato de que as pessoas normalmente possuem um senso do que é correto ou errado. Em contrapartida surge um ponto negativo, já que tal afirmação impossibilita qualquer argumentação no campo da moralidade, visto que apela à intuição e não à razão (BORGES; DALL’ AGNOL; DUTRA, 2002). Intuir algo é apreendê-lo diretamente, sem necessidade de algum processo de raciocínio, diferente do processo dedutivo, por exemplo. Assim o intuicionismo em ética propõe que, por intuição, podemos reconhecer certas proposições morais como auto-evidentes. Outra característica das doutrinas intuicionistas é a aceitação da autonomia da ética: associada ao realismo 4 moral, a tese da autonomia da ética propõe que os fatos morais não podem ser explicados ou reduzidos a termos não éticos. A crítica ao intuicionismo fundamenta-se sob o ponto de que ele pode ser usado para justificar ações que não são compatíveis com a concepção coletiva, visto que há certo subjetivismo em relação à interpretação das intuições.
ÉTICA DO DISCURSO
A ética do discurso pretende determinar o que é correto a partir de uma comunidade ideal de comunicação. Ou seja, deve haver uma sociedade organizada de tal modo que possam surgir discussões democráticas a respeito dos conceitos e aplicações éticas (BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA, 2002). Para a ética do discurso o processo de compreensão mútua está ligado a uma premissa básica, onde deverá haver o assentimento racional motivado ao conteúdo que se deseja proferir. O agir comunicativo pode ser compreendido como um processo circular no qual o ator é as duas coisas ao mesmo tempo: ele é o iniciador, que domina as situações por meio de ações imputáveis; ao mesmo tempo, ele é também o produto das tradições nas quais se encontra, dos grupos solidários as quais pertence e dos processos de socialização nos quais ele cria (HABERMAS, 1989, p.166). O cotidiano é o ambiente onde afloram as possibilidades de discussões, é o lugar que possibilita o entendimento entre falantes e ouvintes partilhando de um contexto que lhes é comum, assim o mundo vivido torna-se um “pano de fundo”, como o horizonte a partir do qual torna-se possível a comunicação e o entendimento. Comunicar-se é uma experiência que transcende um ato solitário, pois visa alcançar um resultado de situações reais onde as pessoas têm por objetivo expor, ouvir e, se possível, chegar a um consenso racional; e todo esse processo deve ocorrer sem coação, pressupondo uma simetria entre os participantes (STEFANI, 2010). Nos tempos hodiernos vive-se uma história universalizada, fato este permitido pela técnica e pela ciência: A técnica permite igualmente a comunicação simultânea de todos os acontecimentos do planeta. Assim, pela primeira vez na história do gênero humano, os homens se encontram diante do desafio de enfrentar o dever de assumir, em escala mundial, a responsabilidade dos efeitos de suas ações [...] Estamos vendo crescer o desequilíbrio que existe entre o poder de dominação técnica sobre a natureza e sobre o mesmo homem e os critérios morais capazes de dirigir esse mesmo processo. O abismo, cada vez maior que se cria entre os valores morais e os interesses particulares a nível individual e familiar, a nível de políticas nacionais e a nível internacional, mostra a imensa desproporção existente entre os limites das preocupações individuais e a amplidão das consequências do agir humano (OLIVEIRA, 2000, p.164). Assim a ciência e a técnica lançam ao agir humano um desafio através do qual surge a necessidade da elaboração de uma ética atual, onde o discurso se torna um meio de se chegar a um ponto comum, e que daí surja reflexões e atos éticos capazes de nortear a conduta humana.
ÉTICA DO DEVER
A ética kantiana está centrada na noção de dever; a ideia da vontade e do dever estão alicerçadas pela liberdade do homem. O dever gera uma obrigação, forçando-o a fazer o que talvez não quisesse ou que pelo menos não o agradaria porque o homem é imperfeito e carrega em si sentimentos contraditórios. Mas o dever, força, obriga a fazer aquilo que favorece a liberdade do homem, exercendo sua autonomia, isto é, a sua liberdade, permitindo que seja tomada a melhor atitude, a mais racional (VALLS, 2010). A ética do dever pretende discriminar o que é certo ou errado moralmente, utilizando-se de uma noção chamada de imperativo. Há dois tipos de imperativos: o hipotético e o categórico. O imperativo hipotético afirma o seguinte: se quiser atingir determinado fim, age desta ou daquela maneira (KENNY, 2010). O imperativo hipotético determina como deve ser a ação para se chegar a um fim específico. Ele está subordinado a uma condição, correspondendo a meios para se evitar algum castigo ou para se alcançar alguma recompensa. E de tal forma enuncia um mandamento, enquanto o mesmo está subordinado a condições específicas (COBRA, 2010). O imperativo categórico diz o seguinte: “[...] a ação é moral, se a regra da ação puder ser tomada como regra universal, ou seja, se puder ser observada e seguida por todos os seres humanos, sem contradição” (BORGES; DALL’ AGNOL; DUTRA, 2002, p. 12). “Aja de maneira tal que a máxima de tua ação sempre possa valer como princípio de uma lei universal” Assim o filósofo Immanuel Kant formulou o que é chamado “imperativo categórico”. Ao buscar fundamentar na razão os princípios gerais da ação humana, Kant elaborou as bases de toda a ética moderna. Kant oferece uma formulação complementar do imperativo categórico: ‘age de tal modo que trates sempre a humanidade, quer que seja sua pessoa quer na dos outros, nunca unicamente como meio, mas sempre ao mesmo tempo como um fim’ (KENNY, 2008). Em tal formulação é notável a presença da dignidade humana, “a pessoa humana não pode ser reduzida à condição de simples coisa, utilizável como meio ou instrumento de ação de outro ser humano” (COMPARATO, 2006, p. 501). Entre as críticas recebidas à doutrina Kantiana, encontra-se o fato de Kant apenas dizer o que não deve ser feito e de quais são as finalidades a que a vida deve ser dedicada, deste modo não concede nenhum rumo sobre qual seria um modo digno de viver. Apenas indicaria qualquer modo que não fosse contrário às suas proibições (BORGES, DALL’AGNOLLO, DUTRA, 2002). Outra crítica à teoria de Kant é a carência de aproximação entre o imperativo (a priori – quando uma ideia não depende e não precisa da experiência para se estabelecer) e a realidade concreta.
CONTRATUALISMO MORAL
No contratualismo moral as regras da justiça são as que regem as principais instituições de uma sociedade. Segundo esta corrente, as regras da justiça que devem reger as principais instituições de uma sociedade decorreriam de um contrato hipotético em que os contratantes ignoram previamente a posição que ocupam em tal sociedade (BORGES; DALL’AGNOLLO; DUTRA, 2002). O contratualismo moral inspirou-se, em certa medida, na ética kantiana e é defendida na teoria de John Rawls, na obra “Uma teoria da justiça”. O pensador americano John Rawls evoca a justiça como base de um novo contrato social. “A justiça não é nem uma virtude nem um direito, mas sim um princípio fundador de uma sociedade bem ordenada” (PEGORATO, 2005, p.68). A ética política de Rawls é uma tentativa de solução de um conflito básico, de ordem social: a disputa dos bens produzidos por uma comunidade política. Sendo os bens produzidos quantitativamente limitados e os cidadãos não possuindo um apetite moderado, torna-se necessário a intervenção de um princípio que ordene a distribuição dos bens (RAWLS, 2000). A teoria ética de Rawls concentra-se na seguinte questão: como ter uma sociedade moderna ordenada de acordo com os princípios da justiça? Ele elabora duas situações hipotéticas, o que chama de “posição original” e “véu da ignorância”. Na posição original, cada um dos participantes do contrato social encontra-se inteiramente livre de influências de pessoas ou grupos, guardando apenas conhecimento de fatos gerais sobre os homens e a sociedade. No “véu da ignorância”, supõe-se que os participantes ignorem todas as diferenças existentes entre si, ficam assim esquecidos de sua própria condição social e de seus companheiros, são postos também entre parênteses todos os dotes naturais que cada um possua, assim como suas concepções próprias de bem-estar social e individual (RAWLS, 2000). Rawls (2000) não examina a justiça em geral, a ele interessa a justiça sob o aspecto da distribuição das vantagens e ônus sociais, limitando-se aos princípios da justiça, destinados a servir-se de regras para uma sociedade bem ordenada. O que supõe que cada cidadão aja com justiça, limitando até mesmo sua liberdade, estabelecendo limites ao seu exercício. Na obra “A República” (1996), Platão enumera os bens em uma tríplice divisão, desejando saber em qual a justiça poderia ser incluída. Afirma que deveria ser exercida tanto pelo bem que advém de seu exercício, quanto por si mesma. “[...] a justiça se conta entre os maiores bens, aqueles que são desejados pelas consequências que trazem consigo, porém muito mais por si mesmos” (PLATÃO, 1996, p. 37). Nesta visão a virtude da justiça deve ser desejada mais do que qualquer bem genuíno e natural, ultrapassando apenas o seu aspecto convencional imposto pela e por causa da sociedade. A justiça vista através do conceito platônico está acima das normas humanas. Trata-se de uma condição fundamental para uma vida mais feliz.
Extraído de LOPES, C. A. Considerações Sobre a Ética. Revista Professare, ISSN 2238-9172, Caçador, v. 6, n. 3, p. 169-190, 2017, pp. 173-185.
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LAFOLLETTE, H. Teorias sobre a ética. https://criticanarede.com/teoriasetica.html.
HURSTHOUSE, R. Virtue Ethics. https://plato.stanford.edu/entries/ethics-virtue/.
ALEXANDER, L.; MOORE, M. Deontological Ethics. https://plato.stanford.edu/entries/ethics-deontological/.
SINNOTT-ARMSTRONG, W. Consequentialism. https://plato.stanford.edu/entries/consequentialism/.