TÓPICOS ESPECIAIS EM FILOSOFIA DA TÉCNICA II
Prof. Dr. Maurício Fernandes
2022.2
Quinta-feira - 14hs às 17hs
Sala 308
[1] Introdução Geral da Disciplina.
[1.1] Apresentação Plano de Curso.
[1.2] Aspectos burocráticos e administrativos.
[2] Aproximações à Questão da Técnica.
[...] Edward Wilson (2012) afirma que “o verdadeiro problema da humanidade é o seguinte: Nós temos emoções paleolíticas, instituições medievais e tecnologia quase divina”, e assevera: “isto é perigoso!” Nesta afirmação de Wilson temos duas compreensões: 1) possuímos emoções pré-históricas. Aqui podemos compreender as emoções como nossa moralidade. Lidamos ainda com uma moralidade pré-histórica, oriunda de nossos impulsos de adaptação na passagem do Paleolítico para o Neolítico (FERNANDES, 2020). Um conjunto de regras no interior dos grupos humanos que visavam a inibição de ações reprováveis e que trariam problemas a existência do grupo, como por exemplo o assassinato.
Historicamente, os primeiros impulsos de nossa moralidade encontram no fenômeno religioso uma ampliação e estruturação normativa com a era axial. Com esse conjunto de regras, oriundo de nosso mais remoto passado, reforçado na era axial e com as determinações do poder eclesiástico medievo, ainda tentamos trabalhar e dar respostas aos acontecimentos em nossa contemporaneidade, o que irá apresentar um sentimento de desencaixe. Assim, temos países europeus, majoritariamente cristãos, nos quais grande parcela da população pratica xenofobia contra imigrantes do norte da África e de países do Oriente Médio que buscam a oportunidade de uma vida melhor, fugindo de guerras, escassez de recursos, dentre outros. A moralidade com a qual tentamos trabalhar o quadro conflitual contemporâneo é constituída de elementos forjados ainda em nossa pré-história e é também a ferramenta com a qual pretendemos dar um direcionamento ao aparato tecnológico, por isto a afirmação de Wilson: Isto é perigoso!
2) Tecnologia quase divina – há algumas décadas, ainda no final do século XX, as biotécnicas imprimiram rasgos expressivos em nosso modo de compreensão do mundo e de nós mesmos, em um processo crescente de redescrição deles. Há um longo trajeto de compreensão e transformação do mundo levado a cabo pela espécie humana: da mão que apreende o objeto, experimentando o poder de tê-lo à sua disposição até a produção de nanochips, há uma trajetória evolutiva marcada por avanços expressivos, tanto material quanto cognitivamente.
O poder redescritivo da vida a partir de sua redução a um conjunto informacional imprime também um caráter religioso à própria biotécnica; talvez embebidos nesse sentimento, a afirmação de estarmos agora brincando de Deus encontra um sentido mais forte. Nossa tecnologia, permitiu-nos um salto tão imenso enquanto espécie que hoje adentramos os âmbitos mais recônditos de nossa existência, tornando-nos partícipes no ato demiúrgico – e esta participação é almejada por nossa espécie desde longa data.
Em relação às instituições normativas, há uma imagem que nos aponta Thorsten Jantschek (2001), em seu texto no Die Zeit intitulado Ein ausgezehrter Hase (Um coelho extenuado), com a qual podemos compreender a condição das instituições políticas e legais frente aos progressos no campo das engenharias genéticas; a imagem é a do coelho que se põe em uma corrida extenuante com um ouriço, corrida esta que o leva a morte. O coelho se lança em uma corrida desenfreada sem compreender que do outro lado existiam dois ouriços (conto O coelho e o ouriço, dos irmãos Grimm). Neste contexto, Jantschek (2001) procura apontar para as dificuldades de regulamentação que acompanham de forma irregular e até mesmo atrasada os avanços no campo das biotécnicas: existem mais ouriços que coelhos nesta corrida.
Basta observarmos a velocidade em que ocorrem novas descobertas e técnicas. Enquanto estávamos discutindo a questão da moralidade da CRISPR-Cas9, em 28 de outubro de 2016 uma paciente com câncer severo de pulmão, no West China Hospital em Chengdu, recebeu uma injeção contendo genes que passaram pelo processo de edição celular, sendo a primeira pessoa a receber genes editados na esperança de que as células de imunidade ataquem as células cancerígenas (CYRANOSKI, 2016) (pp. 58-59).
Extraído de FERNANDES, M. Pode a Tecnologia ser Humana? Reflexões sobre o Fenômeno Tecnológico entre a Antropologia e a Moralidade. Revista Dialectus. Ano9, vol. 17, maio-agosto 2020, pp. 55-61.